EU E MINHAS GAFES


Outra (rara) foto minha perdida na net. Foi durante um debate sobre cinema na CBN, no começo do ano. Participaram também o Marden Machado, o Paulo Biscaia e uma garota que eu não conhecia.

Lembro que me atrasei e já cheguei elogiando um filme que todos estavam detonando (Madrugada dos Mortos). Lá pelas tantas, um ouvinte manda a seguinte pergunta: "O que um filme precisa ter para ser bom?", ou algo que o valha.

Os outros deram suas respostas e eu, sem saber o que dizer, mandei na lata: "Ele não pode ser chato. Só isso!". No fim, ainda fiz um jabazinho do blog de reportagens e do Trajeto. Acho que nunca mais me chamam para nada. Uma pena, pois o estúdio deles é maneiríssimo.

Dá para ouvir o debate aqui.

ENVELHECER SEM AMADURECER


Tenho grande interesse pelo trabalho de mulheres cineastas (Rebecca Miller, Jane Campion, Antonia Bird, Miranda July, etc.). E estou me iniciando, tardiamente, na literatura do Philip Roth. Por essas e outras, Fatal, que passou ontem no Telecine, foi um prato cheio para mim.

Trata-se de uma adaptação da short novel O Animal Agonizante, assinada pela diretora espanhola Isabel Coixet. No elenco, só gente que eu curto - Ben Kingsley, Penélope Cruz, Dennis Hopper, Patricia Clarkson, Peter Sasgaard, Debbie Harry.

O livro é melhor? Ainda não li, mas deve ser. Aliás, sempre digo que os cartazes de adaptações deveriam vir com uma advertência: "Se você leu o livro, caia fora ou feche o bico. Já sabemos sua opinião".

De volta à Fatal. O filme mostra, entre outras coisas, como uma paixão pode mexer com a cabeça dos homens (mesmo os mais vividos). Também confirma a infantilidade masculina nas relações afetivas. Porque não temos meio termo. Ficamos entre a indiferença e o descontrole.

Buscar esse equilíbrio é o desafio. Ou vamos envelhecer sem amadurecer, como o personagem principal.

BICHO PEGANDO!



Dizem que foi a "melhor finalização do ano no MMA".

"Dá um Beijo na Boca Dele", diria Skylab.

LENHA PARA QUEIMAR


Não resisti e vi, ontem mesmo, This is It. E não é que o filme superou minhas expectativas? Algumas observações e destaques de bate-pronto:

— A série de apresentações que o Michael faria em Londres não era uma fuleiragem para faturar um trocados. Pelo contrário. O espetáculo, dirigido pelo coreógrafo Kenny Ortega (Xanadu, Dirty Dancing, High School Musical, etc.), tinha tudo para ser um dos maiores shows da história do pop.

— O time de apoio era fantástico! Dos músicos aos bailarinos, MJ estava cercado dos melhores.

— Michael dominava como poucos o próprio repertório. Sabia exatamente o que exigir dos músicos - e a emoção que devia tirar de cada canção. Sua performance de "Human Nature" é um dos pontos altos do filme.

— Ele era bizarro? Sim. Mas educadíssimo, bem-humorado e carinhoso com as pessoas. This is It humaniza o mito.

— Kenny Ortega é "o" cara. Acabo de descobrir que até a coreografia de Curtindo a Vida Adoidado é dele.

— Em vários momentos, a gente se esquece que o performer genial na tela é um sujeito de 50 anos. Que forma!

— Que voz! E olha que ele estava se poupando (como é natural em ensaios).

— Agora tenho minhas dúvidas se a temporada em Londres era mesmo um sacrifício para Michael. Pelo que se vê no filme, ele estava muito envolvido.

— Entrei no cinema preparado para ver um freak show e saí com a certeza de que o artista, apesar de tudo, não havia perdido sua essência. Trocando em miúdos, Michael Jackson ainda tinha lenha para queimar. Mostrar isso é o grande trunfo de This is It.

ESQUISITÃO


Não vou ver o Rogério Skylab, que toca hoje em Curitiba. Mas curto o trabalho dele faz tempo, desde sua primeira aparição no Jô, ainda na década de 90. De lá para cá, acho que ele foi ao programa pelo menos uma vez por ano.

Dublê de cantor, poeta, performer, funcionário público, humorista e embromador, Skylab é, acima de tudo, um outsider. O tipo de artista esquisitão que mereceria meu respeito só por desafinar o coro dos contentes. Sua música de gosto duvidoso, que já foi rotulada como "MPB trash", é só um detalhe do pacote.

Em vez de falar mais, sugiro o site, o blog e os vídeos. Abaixo, algumas "pérolas".

Imobiliza, imobiliza
Agora é porrada, agora é porrada
Dá na cabeça, dá na cabeça
Língua na nuca, língua na nuca
Valeu garoto, valeu garoto
Mão na bunda, mão na bunda
Ele vai bater, ele vai bater
Aproveita agora, aproveita agora
Dá um beijo na boca dele, dá um beijo na boca dele
Valeu garoto, valeu garoto
("Dá um Beijo na Boca Dele")

Outro dia
Eu fui ao show do Rappa
O que eles cantavam
Não entendia nada, nada, nada, nada!
(...) Sei, existe pobre

Polícia dá porrada
Mas o que eu gosto mesmo
É de chupar buceta
(...) Sei, há desemprego
PT, vudu e lama
Mas o que eu gosto mesmo é de chupar buceta
Cidade maravilhosa (maravilhosa!)

Cheia de encantos mil (encantos mil!)
("Show do Rappa")

Um agiota espera na porta da tua casa
Você vai continuar fazendo música?
Todas as gravadoras estão de portas fechadas
Você vai continuar fazendo música?
Até os alternativos debandam pro outro lado
(...) Tenta uma outra coisa, um curso de informática
Você vai continuar fazendo música?
("Você Vai Continuar Fazendo Música?")

Chico Xavier é viado, Roberto Carlos tem perna-de-pau.
E apesar de tudo, é tão comovente
A verdade explode na cara da gente
A verdade é crua, a verdade é nua
A verdade torce e a verdade estupra
A verdade é puta, a verdade é puta
("Chico Xavier e Roberto Carlos")

TRAILER RETRÔ (2) - WARRIORS - OS SELVAGENS DA NOITE, 1979

ELE VOLTOU PARA CONFUNDIR


Não espere ver informações biográficas em Alô, Alô, Terezinha!, que estreia sexta em Curitiba. Até porque o Google está aí para isso, certo?

Cru e urgente, o documentário de Nelson Hoineff sequer resvala na trajetória de Chacrinha. O foco é o programa de tevê, tratado como um microuniverso composto por três eixos: os artistas, os calouros e as chacretes.

As dançarinas, aliás, roubam a cena. Não à toa, vão ganhar uma série só delas, a ser exibida no Canal Brasil.

Há quem diga que o filme é sensacionalista, por explorar a imagem, um tanto miserável, de ex-calouros e chacretes. Não vejo dessa forma.

Hoineff quis capturar a essência do Velho Guerreiro, e para isso se apropriou de alguns de seus expedientes (o deboche, a incorreção política, a crueldade). Mais do que isso: buscou colocar na tela a visão que o apresentador tinha do Brasil. Um país plural, zoado, contraditório.

Um recorte, portanto. E, nesse sentido, Alô, Alô, Terezinha! cumpre seus objetivos. Inclusive o de confundir.

ÀS VEZES A GENTE ACORDA COM CADA MÚSICA NA CABEÇA... (4)

A PARAÍBA NÃO É CHICAGO


Meu disco do momento é véio: Marcos Valle, Vontade de Rever Você (1981).

Foi o primeiro trabalho dele no Brasil depois de cinco anos morando nos EUA. O resultado dessa vivência rendeu uma mistura caprichada de samba, bossa nova, baião, soul, funk e jazz.

Na ficha técnica, só feras dos estúdios. Leon Ware (colaborador do Marvin Gaye), Peter Cetera (da banda Chicago), Airto Moreira, Sivuca, Robertinho Silva, Laudir de Oliveira.

Nem é um de seus álbuns mais festejados, apesar de incluir o clássico "A Paraíba Não É Chicago". Mas vai fundo naquela atmosfera sexy e ensolarada da música carioca do fim dos 70, início dos 80. Reflete o desbunde tardio, o começo da abertura política, o flerte com o pop internacional...

Um tipo de som que talvez esteja grudado no inconsciente de quem passou a primeira infância nesse Rio pré-barra pesada. Interessou? Baixa aqui.

COISAS DO PLANTÃO


Olha lá eu, no fundão do auditório da Delegacia de Homicídios, esperando o início de uma entrevista coletiva. Era um domingo à tarde, dia seguinte de uma chacina, talvez a mais sinistra que já rolou por estas bandas.

Sobrou pro beque aqui, que estava de plantão. Logo eu, o especialista em amenidades. Mas até que dei conta do recado.

Quem achou essa foto foi o Thiago. Saiu no Fotojornalismo Curitiba, com crédito de Franklin de Freitas.

"AS FORÇAS DA ACOMODAÇÃO SÃO SEMPRE MAIORES"


Fiz uma matéria de página inteira sobre Alô, Alô, Terezinha!, documentário do Nelson Hoineff que investiga o universo do Chacrinha. Vai sair no domingo, na Outra Folha.

Foi a terceira vez que entrevistei o Hoineff, criador do Documento Especial e um dos meus gurus na profissão. Para variar, o papo acabou descambando para o estado das coisas na comunicação em geral. Segue um trecho (sobre o filme, falo já, já).

De onde vem a inovação que o Chacrinha colocou no ar? Era algo intuitivo?
Cem por cento intuitivo. Porque ele não tinha uma formação teórica. Naquela época, diga-se de passagem, ninguém tinha. A televisão era vista como uma coisa de segundo time, e até hoje continua assim. A televisão ainda se comporta como uma débil mental em relação às outras formas de expressão.

Desde que o conceito de correção política apareceu e se consolidou, a sensação é de que há um processo de "higienização", de "sanitarismo" nos meios de comunicação em geral. Você concorda?
Não há a menor dúvida disso. Só não acho que isso começou agora, sempre aconteceu. Felizmente, existem espasmos bem-sucedidos de renovação, tentativas de ir em direção contrária. Casos como o do Chacrinha, do Paulo Francis e do próprio Documento Especial. Mas esse processo de pasteurização é sempre mais forte, e vai ganhando cada vez mais adeptos. No fim das contas, a maior vítima é o espectador.

A sociedade quer esse padrão?
A sociedade não quer, ela é levada a isso. Porque esse padrão é apresentado como a única opção. O cardápio oferecido é muito estreito, porque a visão de quem faz é estreita. As forças da acomodação são sempre maiores. O cara não quer perder o emprego, não quer pensar. Esse projeto de uma tevê entorpecedora, generalista, que nivela tudo pelo gosto médio é realmente vencedor. E o que me encanta no Chacrinha é que ele pode ter perdido a guerra, mas ganhou algumas batalhas radicalizando na incorreção.

TRAILER RETRÔ (1) - ÚLTIMO TANGO EM PARIS, 1972



Seção nova no blog. Com alguns dos meus clássicos pessoais. E pra gente se lembrar do tempo em que os trailers não eram tão frenéticos.

LEMBREI DO ROLO


Tentei manter um podcast entre 2007 e 2008, o ROLO. Só com música, sem falação (até porque eu não tinha nada para falar naquela época). Mas dava uma preguiça...

Para piorar, deu um pau no site e todos os programas sumiram, bem como os comentários do pessoal. Tive de postar tudo de novo.

O legal é que inspirou, e deu título, a um conto do Márcio Reinecken, incluído no primeiro livro dele.

Ainda está lá, parado. São seis episódios. Se quiser ouvir (e até baixar), entra aqui.

PAIS E FILHOS


Nunca leio os best-sellers do momento. E isso não tem nada a ver com algum elitismo da minha parte. Se fosse assim, não curtiria um disco da Lady Gaga, ou um filme como Se Beber, Não Case.

É que livro exige um tempo maior. Então acabo me dedicando às obras, digamos, mais "intensas". Deve ser bobagem minha. Enfim...

Na verdade, quero contar que li O Clube do Filme, um desses títulos que a classe média se dá de presente. Meu pai ganhou, leu num voo e me indicou. Como acho importante dividir esse tipo de experiência com ele, resolvi encarar.

O autor, o crítico de cinema canadense David Gilmour, estava desempregado quando o filho adolescente começou a reprovar no colégio. Diante dos problemas, tomou uma decisão arriscada: deixou o garoto largar os estudos, com a condição de que os dois assistissem, juntos, a três filmes por semana.

O livro narra os três anos em que o tal Clube do Filme funcionou. E sabe que não é ruim? Meio superficial, e um tanto chato até a metade. Mas é mais um tijolo nessa discussão sobre a condição masculina nos dias de hoje.

Porque o cinema, pelo menos na minha leitura, é o de menos no livro. Poderia ser O Clube do Disco, dava na mesma. O barato, aqui, é a intimidade criada entre pai e filho - e as lições que se tira disso.

Como costumo dizer, a relação com a mãe beira o transcendente. O sujeito pode ter sido abandonado numa cesta, mas passa o resto da vida procurando quem o colocou no mundo.

O pai, não. O pai é facilmente substituído por outro. Nesse sentido, ser pai é uma "obra em progresso". Se o sujeito não estiver presente, dando aquela força sempre, dança.

Voltando ao livro, não duvido que pinte, em breve, uma adaptação para o cinema. Se for o caso, vai render uma Sessão da Tarde maneirinha...

Em tempo: na foto, Gilmour e o filho Jesse.

CHUVA ÁCIDA


Do Adão Iturrusgarai.

BARRAS PESADAS



This song is about what happens when you take too much white powder. It's called Eminence Front.
(Pete Townshend, The Who)

Fui dormir às 2 da manhã, mas valeu a pena. Fiquei vendo, no Telecine Cult, My Generation: Who's Still Who. Nos EUA, o filme se chama Amazing Journey: The Story of The Who. Que seja...

O documentário começou a ser rodado em 2007, portanto já retrata a banda depois da morte do John Entwistle (baixo). Ou melhor: mostra como estão os dois sobreviventes (Townshend e Daltrey). Uma barra pesada atrás da outra.

"OS DOIS ESTÃO ERRADOS"


Não me preocupo em atingir a imortalidade através do meu trabalho. Eu quero a imortalidade é no meu apartamento! Isso é que conta!

Imortalidade artística é catolicismo de intelectual. Os católicos pensam que existe vida depois da morte.

Intelectuais que eventualmente podem nem ter relação alguma com o catolicismo pensam que existe vida depois da morte através da arte. Mas os dois estão errados.

Woody Allen, em entrevista a Geneton Moraes Neto.

"NO MEU TEMPO"


Olhaí, garotada: quando eu digo "No meu tempo", estou falando é do futuro.

Millôr Fernandes, no Twitter.

CINEMARATONA


A maratoninha da semana começou na terça de manhã, com Te Amarei para Sempre, adaptação do best-seller A Mulher do Viajante do Tempo.

Na linha de A Casa do Lago, Em Algum Lugar do Passado, Amor Além da Vida, Ghost, etc. Ou seja: outro filme sobre um amor no limite entre a impossibilidade e a transcendência.

Bonzinho no gênero (no caso, o romântico). E, para o público feminino, ainda tem o Eric Bana pelado direto - e fazendo aquela carinha de cachorro abandonado.


À noite, foi a vez de O Desinformante, mais um do Soderbergh.

Era uma pré-estreia com ingressos oferecidos por um portal de internet, se não me engano. Como a trama demorou para engrenar, e ainda por cima trata de fraudes corporativas, muita gente vazou antes da metade.

Um filme irônico, com uma ótima interpretação do Matt Damon. Mas o Soderbergh continua não me emocionando.


O melhor veio na quarta de manhã: Distrito 9.

Ambientado na África do Sul, dá um novo fôlego à ficção científica. Quando a gente acha que o cinema não vai mais nos surpreender, aparece um filme desses. Vigoroso, político, bizarro...

Não que seja perfeito. Os personagens são construídos a partir de clichês e a narrativa quase abusa da linguagem de “falso documentário”. Ainda assim, uma das grandes surpresas do ano.

UHUUU!



Acho um tédio praticamente tudo o que se produz no rock brasileiro de hoje.

Uma das raras - e originais - exceções é o grupo cearense Cidadão Instigado, que este ano lançou Uhuuu!, seu terceiro álbum. Aliás, um dos meus discos nacionais preferidos da temporada (junto com os últimos do Caetano e do Erasmo).

Desta vez, eles voltam menos radicais e mais acessíveis. Definindo vulgarmente, misturam Pink Floyd com Odair José, Dire Straits com Tom Zé, psicodelia nordestina com rock de rádio...

E as letras trazem aquela ingenuidade desconcertante que é a marca do líder Fernando Catatau (produtor do novo disco do Arnaldo Antunes e ex-guitarrista de apoio do Otto e da Vanessa da Mata).

Dica dada, entre aqui para baixar o álbum completo.

NA COMPANHIA DE HOMENS


Ainda no campo da reportagem, aproveito para recuperar uma que fiz em maio. Na pauta, os Guerreiros do Coração, um movimento "holístico" que busca resgatar a essência perdida da masculinidade - e vem crescendo rapidamente nos estados do Sul.

Trechos abaixo e a íntegra em duas partes (1 e 2, com links relacionados no fim dos textos).

"Nossa cultura perdeu a experiência profunda de ser homem através da companhia de outros homens", diz o texto de apresentação do curso Guerreiros do Coração. São dez encontros, realizados ao longo de um ano, com o objetivo de resgatar "a inteireza do ser para homens".

(...) Boa parte da metodologia é baseada em pequenos costumes e ritos de passagem ancestrais. Além de compartilhar experiências, os homens cozinham juntos, fazem fogueiras, meditam, dançam... Tudo envolto em uma simbologia de origem tribal.

(...) Em seguida, formamos um círculo em volta de objetos que representam os elementos da Terra, ou algo que o valha. Sentados, ouvimos Alexandre ler uma passagem de um livro sobre os costumes dos índios norte-americanos. Um papo sobre arcos, flechas, tambores, instrospecção, sonhos...


(...) "Quando o homem alinha visão e ação, surge sua missão. E todo o guerreiro deve ter uma missão", conclui o facilitador, para depois dividir a turma em dois grupos de quatro pessoas. Agora, cada um tem 30 minutos para resumir sua trajetória do nascimento aos 14 anos.

NO CONSULTÓRIO DO FILÓSOFO


É o título de uma reportagem que produzi sobre Filosofia Clínica para a Fôia. Seguem trechos. Para ler na íntegra, entre aqui.

(...) A filosofia clínica, como indica o nome, utiliza o conhecimento filosófico para ajudar as pessoas a lidar com seus problemas e angústias. Para começo de conversa, quem procura esse tipo de terapia não é chamado de paciente e, sim, de partilhante. A palavra ''cura'' também não é usada.

As sessões, semanais, duram uma hora e são gravadas em áudio. Os primeiros encontros servem basicamente para que o partilhante conte toda a sua história de vida. A partir desses relatos, o terapeuta entende como a pessoa se estrutura mentalmente e analisa sua visão de mundo.

(...) A terapia durou cerca de cinco meses e o ajudou a superar seu problema com a bebida. Arrimo de família desde muito novo, Gustavo descobriu que bebia para chamar a atenção das pessoas próximas. ''Sempre cuidei dos outros e nunca tive ninguém para cuidar de mim'', diz.

Ao narrar a própria história durante as sessões, ele também resgatou lembranças de sua avó, que era alcóolatra e tinha rompantes de agressividade. ''Era uma peça que faltava no meu quebra-cabeça''.

(...) Cloves Amorim, professor de psicologia da PUC-PR, admite que conhece pouco a doutrina criada por Lúcio Packter. Mas se preocupa com a formação dos terapeutas. Para ele, quem trabalha com pessoas no âmbito de clínica deve ter conhecimentos múltiplos de antropologia, neurociência e transtornos psicopatológicos - o que talvez não seja o caso dos filósofos-terapeutas.

''Tenho a impressão de que falta profundidade para eles nessas áreas. Isso torna o mergulho muito raso, próximo da autoajuda'', diz.

PÍLULAS DE SABEDORIA


Do alto de seus recém-completados 73 anos, Domingos Oliveira faz uma "autoentrevista” comemorativa.

Nome e idade.
Domingos, 73.

Profissão e hobby.
Arte e arte.

Residência.
Nasci na rua da Matriz, Botafogo. A raposa tem seu covil, o pássaro tem seu ninho. Só o filho do homem não tem onde deitar a cabeça. Moro no Rio desde então, não gosto de viajar. Não tem nada lá que não tenha aqui.


Ora, por quê? Todo mundo gosta.
É muita informação vinda de fora.

O que acha da política?
Uma coisa da qual o homem de bem deve manter-se o mais distante possível.


Mas não tem solução?
Nenhuma. “Não vote em ninguém que já tenha sido eleito”.

O que acha das mulheres.

Gosto. Melhor invenção do criador. Quanto a mim, eu sou fácil. Fácil, nesse sentido. É só preencher o formulário e esperar dizerem alto o seu número.

Do amor e da paixão.
Amor é a vocação do homem: quanto mais, melhor. É um efeito colateral do sexo. A paixão é o sexo exacerbado. Mas acaba não sendo. Porque a paixão é transcendente. Não sei se é melhor, mas a maior coisa do mundo.

De Deus.
Se ele existe, o problema é dele.

Da sociedade atual.
Totalmente incompreensível e extremamente violenta. Somos o que somos. O mundo melhora, não piora. Para um momento de pessimismo, nada melhor do que uma lição de história.

Do teatro.
Quem não faz teatro não sabe o que é bom.

Do cinema.
Arte fácil. Quando a cena está chata, pode sempre cortar para uma paisagem.

Considera-se realizado? Se acha famoso?
Sou muito famoso no Leblon. Ipanema já nem tanto...

O que é a vida?
Uma história de mistério sem Sherlock Holmes.

O que espera do futuro?
Um homem é puro projeto. Puro lançar-se sobre o futuro.

Tem medo da morte?
Não. Medo da morte é um luxo da juventude. Da minha parte, vou dar muito trabalho. Sou um produto com certificado de garantia de pelo menos mais de dez anos. Ou melhor, não vou morrer. Dr. Roberto me traiu, Caymmi também. Mas taí o Dr. Oscar que não me deixa mentir. Eu não vou morrer.

Em que realmente acredita?
Que estou aqui. Feliz e entre os amigos. Tenho uma profunda noção da minha extrema felicidade.

Deve-se viver cada dia como se fosse o último?
Ou como se fosse o primeiro.

Melhor se arrepender de ter feito do que de não ter feito?
Sem dúvida.

Um homem deve satisfazer os seus desejos?
Sempre que a mulher não for casada. E quase sempre, quando for. E cuidado. A máquina de desejar do homem é muito frágil. Se o cara quer tomar sorvete e você diz: “Não, é muito longe”, ele perde a vontade de tomar sorvete.

Deve-se terminar tudo aquilo que começa?
Só assim você vai poder saber se o que fez é uma merda ou uma maravilha. Quanto à vida, ela começa e acaba sem que a gente tenha que se preocupar.

O que acha do sexo?
Tudo é sexo.

Amar é querer o bem do outro?
Incondicionalmente. Se não, não é amor.

Sente saudade dos seus 20 anos?
Como posso sentir saudade de uma coisa que aconteceu ontem? Morro de saudade. Mas não admito que ninguém diga que levou uma vida melhor que a minha.

Um homem é produto do meio?
Não. Essa é uma frase indecente. Um homem é absolutamente responsável por todos os seus atos. Não importa o que o passado fez de mim. Importa o que farei com o que o passado fez de mim.

Sente-se culpado de alguma coisa?
Nunca. Sempre absolvo a mim mesmo por falta de intenção culposa.

Tem pena de si mesmo?
Um passarinho cai do galho morto de frio sem jamais sentir pena de si próprio.

Você é feliz?
Quando a vida tem sentido.

A vida tem algum sentido?
Quando a Priscilla está por perto.

CINEMA-CATÁSTROFE


Filmes que não acabam mais.

No domingão, foi a vez de Tá Chovendo Hamburguer, com as meninas. E acho que me diverti mais do que elas.

A animação tem o tipo de humor nonsense que me agrada. Lá pelas tantas, vira uma paródia muito bem sacada do cinema-catástrofe.

Gostei mais do que Up, A Era do Gelo 3 e outros congêneres deste ano.

ZÉ FINI?


É impressão minha ou 2009 já era?

Melhor ficar quieto. Vai que ainda pinta uma bomba pela frente?

RAP DE MENINA



Meu disco da semana é Speech Therapy, da rapper inglesa Speech Debelle. Ela foi a surpresa do Mercury Prize deste ano, mas não tenho visto muita gente dar bola por aqui.

A mocinha de 26 anos faz um rap delicado, com bases orgânicas e jazzísticas. A temática também é leve, bem-humorada. Se quiser baixar o álbum inteiro, tem aqui.

FALEI BONITO


Já disse que gostei da animação 9 - A Salvação. Segue trecho do texto que saiu hoje na Fôia.

Há quem compare, com certa razão, o argumento de ''9'' ao de ''Matrix''. A verdade é que as duas fábulas se desenvolvem a partir do mesmo arquétipo. No caso, o mito de Prometeu, que representa a ânsia humana por conhecimento (nem que seja preciso desafiar a ordem estabelecida para buscá-lo e compartilhá-lo).

Subtexto à parte, o filme valeria apenas pelo visual, marcado por um detalhismo impressionante. Assumidamente influenciado por animações japonesas e do leste europeu, Acker é festejado no meio por trabalhar com computação gráfica e ao mesmo tempo conseguir um resultado que se assemelha ao das técnicas tradicionais. E pensar que este é apenas seu primeiro trabalho.


Falei bonito, né? A resenha inteira tá aqui. E a do Tarantino, aqui.

CUMA? (2)


Mais uma da série, também conhecida como "A Arte Não é para Você, sua Anta!".

Lugares de Mim entre o imaginário e o real

O espetáculo é o resultado do trabalho minucioso de investigação do movimento que traz a tona latências pessoais de cada bailarino.

Corpos que guardam pequenos segredos latejantes, loucos para romper as barreiras da pele, transformando imagens em movimento. Trata-se do instante em que a imagem deixa de ser invisível tornado-se visível, assim como um corpo-foto que se revela ao público. (...)

O espetáculo sugere novos ambientes a cada instante, criando paisagens sígnicas, presenças que se transmutam. (...)


(...) Esse transbordamento da cena nos interessa enquanto tentativa de alcançar um lugar que não é visível, que vai além do que se mostra na obra, para provocar novos meios de percepção.

"A BELEZA TOTAL"



Para mim, só tem dois aspectos atualmente da realidade. Um é a Banda do Zé Pretinho. E o outro é A Outra Banda da Terra. O resto é o brilho de Gal Gosta, quer dizer, a beleza total Bahia, entendeu?

Caetano, muito louco, entrevistado pelo Glauber no lendário programa Abertura, da TV Tupi. Na sequência, Nelson Motta também dá uma pirada. Circa 1979.

PINCEL MÁGICO


Uma das atrações que mais chamou atenção foi o intrépido Pricasso, um senhor cinqüentão que pinta rostos de anônimos e famosos utilizando o órgão sexual.

Primeiro ele tira uma foto do cliente e o computador imprime o desenho numa folha de papel. Depois, Pricasso passa o pênis na bandeja de tintas e colore a moldura. Tudo isso com dezenas de curiosos em volta do stand. Nada mais autêntico.


Matéria sobre a Feira do Sexo de Johanesburgo. Li no R7, o "G1 da Record". Ou, ainda, o "o G1 azul".

SERTÃO AFRO



Essa é para quem, como eu, adora misturebas multiculturais.

Kizomba Sertanejo é uma coletânea em CD que está bombando em Portugal. São versões de clássicos agropecuários brasileiros com sotaque lusitano e em ritmo de kizomba (mal definindo, uma espécie de batidão angolano).

Como diz o outro, eu morro e não vejo tudo. Ainda bem...

DUAS HORAS E MEIA QUE VOAM


Então... Como já contei, vi o novo do Tarantino, que estreia na sexta.

Confesso que fui meio ressabiado, talvez por não ter curtido muito o segundo Kill Bill. O filme seguinte, Death Proof, eu nem me dei o trabalho de assistir.

Mas não quero falar sobre isso agora. Vamos ao que importa.

Bastardos Inglórios é um sarro, talvez o filme mais próximo da comédia que ele já fez. Comédia com requintes de violência gráfica, claro. Duas horas e meia que voam.

Meu destaque é o elenco, cheio de desconhecidos maneiros. O Brad Pitt acaba sendo uma espécie de MC, um nome de peso que apresenta essa galeria de personagens excêntricos. Alguém já disse que ele só rende quando faz papel de maluco. Concordo.

Também assisti à animação 9 - A Salvação. Grata surpresa. Falo dela depois.

O MODERADOR


Era um trabalho sujo, mas alguém tinha que fazer: mediar um debate com quatro roqueiros supostamente "polêmicos" sobre os 20 anos da morte do Raul Seixas. Marcelo Nova, Nasi, Tico Santa Cruz (hã?) e Maurício Baia (who?).

E adivinha quem foi escalado?

Pois é... Foi na última sexta, em mais uma edição do projeto Papo Musical, parceria da Lumen com as Livrarias Curitiba. Até que deu tudo certo, apesar de algumas pequenas tretas (não comigo, ao contrário do que você deve estar pensando).

Enfim... Só a título de registro e para agradecer quem apareceu por lá.

VITAMINADAS


Tá começando nos EUA uma onda de "orgulho fofo" entre as mulheres. Esse, pelo menos, é o mote da campanha que a revista Glamour vem tentando promover há alguns meses. Eu aprovo.

PERSEGUIÇÃO


Foi há dois anos e meio...

De saco cheio do esquema "viu um, viu todos" dos cadernos culturais, resolvi me aposentar desse mundinho. Passei um tempo mexendo com marketing (foi divertido, até...) e terminei me reinventando como "repórter especial", seja lá o que isso quer dizer.

Mas música e cinema me perseguem. No fim do ano passado, surgiu o convite para dar meus pitacos na rádio. E, agora, outro para escrever críticas de filmes na Folha ("A Outra").

Ou seja, estou de volta às sessões das dez da manhã. O sistema é o de sempre: um filme bom para cada cinco ruins.

Tem lá suas compensações, claro. Hoje, por exemplo, vi o novo do Tarantino, divertidíssimo. Também curti muito À Deriva (foto), o melhor - e mais emocionante - nacional que assisti em anos. A resenha está aqui, com os habituais cortes (regras do jogo).

Então é isso. Toda sexta, na Folha, tem texto meu sobre cinema. Jabazinho feito, voltemos à programação normal.

"BARRADO POR UM YUPPIE"


Se fosse hoje, Chacrinha não passaria pela portaria de qualquer rede de televisão. Ele seria barrado por um yuppie de 17 anos.

Ele era diferente, melhor, e a televisão sempre apostou na pasteurização. Chacrinha era muito explícito e conseguiu o milagre de ficar na Globo.


Nelson Hoineff, diretor do documentário Alô, Alô, Terezinha!, em entrevista ao blog do Daniel Castro.

ÀS VEZES A GENTE ACORDA COM CADA MÚSICA NA CABEÇA... (2)



DJ Ademir Lemos, à frente de seu tempo.

COMPENSAÇÃO


Quando cheguei nos EUA, em 94, eu previa que o sistema de cotas, instituído para "compensar" os efeitos da discriminação, dividiria o país, levando-o de volta para o século 19.

Não foi o que aconteceu. Aos poucos, a presença de cidadãos de todas as cores na maioria das corporações (da polícia urbana ao corpo docente das universidades) se transformou num duplo valor compartilhado por todos ou quase: um valor estético (a diversidade é bonita) e um valor produtivo (a diversidade é funcional).

Até que um dia pareceu lógico, num país cujo sul inteiro foi racista e segregado, que um negro pudesse ser presidente.


Contardo Calligaris, na Folha de São Paulo.