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FÁBIO ELIAS: "O PIOR JÁ PASSOU"


Versão original da matéria que produzi para a Folha de Londrina e saiu no último domingo (31/11).

MEU PRIMEIRO ANO CAIPIRA

Figura simbólica do rock parananense, Fábio Elias fala sobre sua ''conversão'' à musica sertaneja

Durante quase duas décadas, Fábio Elias, 34, foi uma das figuras mais simbólicas da cena musical paranaense. À frente da banda Relespública, fundada quando ele ainda era um adolescente, o cantor e guitarrista gravou discos, videoclipes, DVDs e rodou o Brasil fazendo shows. Mais do que isso: ergueu a bandeira do rock and roll clássico num país que praticamente ignora o gênero.

Mas algo mudou na relação do músico com seu fãs fiéis. Há exatamente um ano, Fábio anunciou uma guinada radical na carreira. Estava trocando os porões alternativos pelos bailões caipiras. Seu alvo, a partir dali, seria o público do subgênero emergente conhecido como ''sertanejo universitário''. Para os roqueiros xiitas, não poderia haver traição maior.

Meses depois, em abril deste ano, veio o primeiro lançamento, um CD com 13 faixas intitulado ''Me Dê um Pedaço Seu''. A estratégia de divulgação incluiu um clipe ''polêmico'', em que ele aparecia bem mais magro, vestido à moda country e se arriscando numa dancinha desajeitada. Foi o suficiente para que os antigos admiradores e os detratores de plantão promovessem um verdadeiro linchamento virtual nas redes sociais da internet.

Sobrou até para a mulher do músico, a psicóloga e âncora de rádio Maria Rafart. Doze anos mais velha do que Fábio Elias, e com forte influência sobre o artista, ela foi apontada como a grande responsável pela mudança de rumos do marido - uma espécie de ''Yoko Ono da Relespública''. A banda, entretanto, não terminou. Apenas interrompeu suas atividades por conta das divergências, digamos, conceituais.

Maria já era empresária do grupo quando os dois se casaram numa cerimônia roqueira, em cima de um palco e com direito a uma canção composta especialmente para a noiva. Pouco depois, ela sugeriu que Fábio se mudasse para São Paulo, com o objetivo de ficar mais próximo de gravadoras, produtores, empresários e grandes veículos de comunicação.

Em sua peregrinação pela megalópole, o músico chegou à conclusão de que não havia espaço no mercado para o som retrô da Relespública. Disposto a buscar novos caminhos artísticos, flertou com as batidas eletrônicas e acabou chegando à nova onda caipira. ''Sempre cantei música sertaneja em casa, nas churrascadas. Só os parentes e amigos próximos sabiam disso'', afirma, defendendo-se das acusações de oportunismo.

Para Fábio, o grupo era um ''investimento sem retorno''. ''Sou um artista profissional, meu trabalho é compor e tocar. Quero viver, e não apenas sobreviver, de música'', diz. A questão financeira, no entanto, não foi o único fator que pesou na mudança. ''Gosto de ver o público cantando, dançando, feliz. Os últimos shows da Relespública tinham menos de 60 pagantes'', conta.

Isso não significa que a carreira sertaneja já esteja indo de vento em popa. O cantor ainda é pouco conhecido no meio e suas canções não são tocadas nas rádios da capital. Por enquanto, é como ele estivesse num limbo musical - muito roqueiro para os caipiras, muito caipira para os roqueiros. ''Não tenho medo de cair nesse limbo, porque o meu diferencial é justamente esse'', afirma.

Seja como for, Fábio faz uma avaliação positiva deste primeiro ano. ''Eu tinha dois problemas para enfrentar: saber se esse era mesmo o meu caminho e aguentar a mediocridade das críticas vazias. Mas já estou lançando um segundo CD, vou gravar um DVD e agora ninguém me segura mais. O pior já passou''.


EM NOVA EMBALAGEM

Para quem já gravou um disco chamado ''E o Rock'n'Roll, Brasil?'', Fábio Elias está mesmo irreconhecível. A voz rouca e a ingenuidade romântica das letras continuam iguais, mas sua atual embalagem (sonora e visual) é de dar arrepios nos roqueiros de carteirinha.

Se no primeiro CD solo a transformação era tímida, agora ele reaparece ainda mais magro e completamente adequado ao guarda-roupa country. Os óculos de aros grossos, sua marca registrada dos tempos da Relespública, devem ter ido parar no lixo.

Outra novidade é a parceria com a mulher, Maria Rafart. Juntos, os dois assinam músicas como ''Não Fique Sozinha'', ''Pensando em Você'', ''Me Dê um Pedaço Teu'' e a assumidamente autobiográfica ''Parei!''. Diz a letra: ''Parei de beber o bar / Parei de sair só pra pegar /Parei com essa vida louca''.

''Depois que casei, entrei num outro ritmo de vida, mais tranquilo'', diz o cantor, que faz questão de destacar o apoio incondicional da companheira. ''A Maria me incentivou a tentar outro caminho. No auge das críticas, ela disse que os grandes gênios são incompreendidos mesmo, e que estaria sempre do meu lado''.

ENTREVISTA: TOM ZÉ


Tom Zé chega hoje a Curitiba para fazer três apresentações do show O Pirulito da Ciência, uma retrospectiva de sua carreira. Seguem os highlights do longo papo que tivemos (a versão empacotada saiu aqui).

"Minha luta, desde o princípio, é no sentido de manter o ouvinte atento. Para isso, me esforço para sobrepor camadas de informação durante o show, para fazer um trabalho de corpo. Tem sido assim desde que me descobri incapaz de fazer uma música para o mainstream, uma música perfeita, regular. Não tenho o pathos do cantor. Cantar para mim é pouco. Não consigo me imaginar só cantando durante 50 minutos."

"Todo acontecimento artístico novo vem acompanhado de inovações técnicas. Na Itália do Renascimento, os artistas não fizeram aquela revolução sozinhos. Eles tiveram por trás fabricantes de tintas e telas que duram até hoje. No Brasil, tem sido a mesma coisa com a música. Eu me lembro que, quando surgiu o hi-fi, o pessoal que trabalhava com os Românticos de Cuba já concebia os arranjos para aproveitar o potencial daquele som. Quando o João Gilberto entrou no estúdio pela primeira vez, já tinha um técnico lá pronto para fazer aquilo, com um microfone dinâmico ideal para gravar a voz dele. E até hoje o Brasil tem muita gente competentíssima nessa área, ao contrário do que muitos artistas dizem."

"Às vezes, você vai no fundo do lodo e encontra uma flor. É o meu caso com 'Atoladinha'. Naquele espetáculo, naquela cerimônia social da qual o som do funk participa, a mulher é degradada. E aí vem uma música com um refrão que combate isso, que traz um lancinante grito de liberdade da mulher. Quando toca essa música, ninguém pensa em uma pessoa caminhando com cuidado na lama. A letra fala dos líquidos da sexualidade correndo pelo corpo com toda a liberade. Isso é uma maravilha do ponto de vista da saúde, e também uma rebeldia terrível contra igreja, contra tudo. Repito o que já disse: 'Atoladinha' é multirrefrão, microtonal e plurissemiótica."

"É natural o preconceito do brasileiro contra os gêneros de música mais populares. Somos uma sociedade que quer sair do campo e ir para a universidade. E isso é uma merda. Mas o nordestino, por exemplo, como observou Euclides da Cunha, procede como um cientista, apesar de ser analfabeto."

"Todo mundo gosta de sertanejo, porque fala das coisas simples e boas da vida. Mas, para justificar, inventaram agora esse sertanejo universitário. Puta que o pariu, hein?"

"Não tenho nada contra o brega, o popular. Só não faço meia dúzia de pagodes e músicas caipiras porque não sei fazer. Tenho inveja desses artistas."

"A utilização das leis de incentivo é uma questão ética, como tudo mais em que uma sociedade se envolve. Mas o fato é que quem tem mais fama, levanta mais dinheiro. E o que foi criado para garantir a chegada do novo, do experimental, do criativo fica sem espaço. É um aproveitamento meio imoral dos recursos públicos"

"Me perguntaram se eu queria ser anistiado. Mas eu estudei em escola pública desde o ginásio, ganhei uma bolsa para continuar na faculdade, almocei no restaurante universitário. Então eu acho, na verdade, que tenho um débito para com a nação. Não posso receber isso que você chama de 'bolsa ditadura'."

"Só falo sobre esses assuntos de leis de incentivo, de dinheiro público quando os jornalistas me perguntam. Meu negócio é enfrentar a realidade de peito aberto, sem ser queixoso. Porque quem é queixoso não faz nada. Eu, não. Eu tenho ideias para transmitir. Queixa não levanta um povo para trabalhar, não faz cócegas na imaginação das pessoas."