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ENTREVISTA: LETUCE


Aqui vale uma introdução. Uma das atrações do Grito Rock de Curitiba, o Letuce (RJ) é uma "banda de casal" formada pelo multiinstrumentista Lucas Vasconcellos (ex-Binário) e a cantora Letícia Novaes (que ainda ataca de atriz, comediante, modelo).

Juntos, ele escrevem canções que combinam letras românticas e despretensiosas com arranjos que passeiam por vários gêneros (samba, rock, funk, folk, bossa nova, jazz). Mas tudo muito bem diluído - e pop -, como se pode perceber em seus dois registros "oficiais".

Em 2009, lançaram o álbum Plano de Fuga pra Cima dos Outros e de Mim, marcado por faixas como "De Mão Dada", "Ballet da Centopeia" e "Potência" (esta com direito a clipe rolando na MTV). No ano passado, gravaram o EP Couves, com versões para temas de Sade, Des'ree, Raça Negra e Só Pra Contrariar.

Segue um resumo da conversa que tive com os dois.

Você passam a impressão de que não têm pressa de divulgar o trabalho do Letuce, de fazer sucesso. Tanto que ainda não são muito conhecidos fora do Rio. É isso mesmo?

Letícia - É, sim. Porque a música é uma das coisas mais importantes da minha vida, mas não é tudo. Não vivo para lançar discos e ser reconhecida. Que bom que as pessoas gostam da nossa música e a gente pode se apresentar para elas. Mas não vou fazer nada de maneira forçada.

Mas o segundo disco sai este ano...

Letícia - Sim! Inclusive estou fechando com o Lucas os últimos detalhes. Letras que ainda faltam terminar, pedacinhos de música... E a ideia, na verdade um sonho, é lançar também uma tiragem em vinil.

Com raras exceções, os artistas da geração independente atual são muito tímidos, inclusive nos shows. Já o Letuce destoa desse grupo. A Letícia canta "para fora" e tem uma presença de palco segura, bem-humorada. Isso vem da formação teatral?

Letícia - Vem. Mas, além de ser atriz, faço stand up comedy há muitos anos. Estou acostumada a me apresentar para gente bêbada em casa de humor. Então simplesmente não consigo fazer cara de diva, de cool, de misteriosa.

Lucas - Tocamos no Teatro Rival e logo depois do show duas moças fizeram um elogio que define muito bem Letuce. Elas disseram que o nosso show era muito "desmontado". Para algumas pessoas isso pode parecer pejorativo, coisa de hippie. Mas, para mim, não é. É uma prova de que, como a gente planeja pouco as nossas apresentações, a novidade pode aparecer a qualquer momento.

Letícia - Não quero julgar o trabalho dos outros. Mas existe um tipo de timidez meio boba, forçada. Só que a gente percebe quando a coisa é sincera. Mesmo quando a pessoa canta miudinho. Eu mesma fico tímida e nervosa antes de tocar. Mas, chega na hora, alguma coisa desperta em mim e eu vou embora!

A Letícia é da Tijuca e o Lucas veio de Petrópolis. Isso talvez explique o desembaraço e o despojamento da banda, em contraponto à postura cool de outros artistas cariocas. Vocês acreditam que tiveram uma formação diferente de quem cresceu na Zona Sul?

Letícia - Inspiração não é só música, é também o ambiente em que você vive. No meu colégio, na Tijuca, todos os meus amigos só ouviam pagode e funk. Eu já gostava de rock, mas era impossível não prestar atenção nessas coisas, que acabam ficando na nossa memória afetiva. Quem consegue se livrar do preconceito vai descobrir melodias e letras lindas no meio das músicas de pagode, sertanejo, etc.

Esses dias mesmo estava falando com o Lucas sobre o Luan Santana. Não me afeiçoei a "Meteoro", mas tem uma outra letra dele que eu adoro. Uma que diz: "Você deixou suas digitais em mim". Acho isso lindo! Pena que ainda tem muita gente que não se permite ter esse tipo momento. Seja porque tem medo de parecer esquisito, seja porque o tópico do dia do Twitter não é esse.

Todas as letras do Letuce são sobre amor, relacionamentos. Vocês conseguem definir qual a abordagem que fazem desses temas?

Letícia - Tem uma música do U2, "One", que eu sempre choro quando ouço. É aquela que diz: "Love is a Temple". Para mim, o amor é um templo mesmo. O amor me salvou. Antes de conhecer o Lucas eu era até meio mal-humorada. Mas ele veio e foi um presente na minha vida. Então eu acho que a minha forma de agradecer ao mundo por esse presente é escrever canções de amor. Mas sem pretensão, sem reposta para nada, sem querer apontar o que é certo. Não existe isso de "um nasceu para o outro". Cada um deu sorte de encontrar o outro, e de ser amado pelo outro.

ENTREVISTA: EDUARDO DUSSEK


Um dos clássicos da minha infância faz minitemporada em Curitiba nesta semana. Bati um papo com ele para a FdL.

Começando com uma pergunta meio tola. Por que você passou a assinar ''Dussek'' em vez de "Dusek"?

Por dois motivos. Primeiro, porque a pronúncia do meu nome é ''Dussek'' mesmo, ninguém nunca acertou. E depois veio a numerologia. Mas deixa eu contar uma história.

Nos anos 90, minha casa ficou em obras durante seis meses. Foi um inferno, porque o meu escritório também funcionava lá. E o mestre de obras ficava me chamando o tempo todo: ''Seu Duzzzééék!''. Aquilo me irritava de um jeito que você não imagina!

Enquanto isso, minha produtora passava por problemas com o fisco. Paguei tudo e resolvi procurar uma numeróloga para mudar o nome da empresa. Ela perguntou se tinha outro nome relacionado com o meu trabalho que eu poderia mudar, e eu disse que achava ''Dussek'' melhor que ''Dusek''. Ela fez os cálculos e achou maravilhoso!

E essa sua ligação com Curitiba, como surgiu?


Meu ex-sócio é daí. Fui padrinho de casamento dele, padrinho da filha mais velha dele. É como se eu tivesse uma família em Curitiba, onde também fiz muito trabalhos, principalmente em empresas. Cheguei a manter uma casa aí por 15 anos. Primeiro, uma casa mesmo, no Cristo Rei. Depois, um apart hotel na João Gualberto.

Hoje se fala muito sobre a importância de o artista gerenciar a própria carreira. Mas você já faz isso há anos, não?

Sempre trabalhei com bons empresários. Mas também sempre gostei de ser dono do meu nariz. Não gosto de assumir o erro dos outros. E como atuo em várias áreas, preciso ter um escritório para centralizar tudo isso. Na verdade, minha primeira produção é de 1974. Ou seja: tenho bem mais do que os 30 anos de carreira "oficiais" que estou comemorando agora.

Apesar de tantos anos de trajetória, sua discografia não é muito extensa...

Isso é carma! Sou capricorniano, então tudo para mim é mais difícil de fazer. Enquanto o leonino faz três coisas ao mesmo tempo, eu faço uma. E que dá errado. Sou um "inadimplente astral", como canto no início do show. Mas pergunto "quanto custa" e vou à luta.

A que você atribui um certo sumiço da grande mídia nos anos 90, logo depois do boom que a sua carreira teve na década anterior?

Isso é normal para uma pessoa carmática, como eu. Mas sou um carmático esperto. Porque o carmático burro dá murro em ponta de faca. Eu, não. Se não tenho nada a dizer, fico quieto.

O que aconteceu é que tive uma crise criativa muito séria, que começou logo após o fracasso de um disco que lancei no início dos anos 90. Cheguei a renegar tudo que fiz. Achava que faltava uma unidade na minha carreira. As pessoas não sabiam dizer se eu era debochado ou romântico, ator ou compositor. Isso me impediu de evoluir.

Mas a culpa era minha, então tratei de correr atrás de uma resposta para o problema. Essa busca levou 10, 15 anos. Mas como nunca dependi da mídia, não sou um BBB, continuei trabalhando.

E como você encontrou essa "unidade"?

Descobri que a coisa ia além do campo estético. Era pessoal, espiritual. Resolvi ser um cara legal, honesto com si mesmo. E que não se submete ao poder econômico, apesar de adorar dinheiro! Sou assim mesmo, gozador e romântico ao mesmo tempo. Então agora lanço trabalhos diferenciados, de grife, onde coloco a minha personalidade.

Você mencionou o lado espiritual. Envolveu-se com alguma religião?

Várias, todas as que você possa imaginar. Já bati todos os tambores. Hoje em dia sou ligado ao budismo, que eu acho mais moderno, mais avançado. No budismo você não tem obrigação com o externo, você se observa internamente.

Só que eu não virei careta, santinho. Por outro lado, assumi essa prostituição artística que existe no Brasil. A puta tem que agradar o coronel? Então vou ser a melhor puta possível. Mas o coronel tem que ser poderoso!

Tem algum projeto de disco ou DVD para este ano?

Estou preparando três lançamentos. Um DVD, que talvez seja duplo, com os melhores momentos da minha carreira. E dois CDs. Um de marchinhas de Carnaval, porque esse negócio está bombando, e outro só de canções românticas. Porque o público jovem descobriu meu trabalho com a música "Aventura", que entrou na novela Ti-Ti-Ti. Eles nem conhecem meu lado irreverente.

Curte algum artista novo?

Gosto da Vanessa da Mata, do MV Bill. Até de Fiuk eu gosto. Como chama aquela banda que tem nome em inglês?

Restart. Mas eles, e o Fiuk, são considerados lixo pela classe média "pensante". O que pensa disso?

O Brasil tem um problema que me preocupa muito, que é a falta de cultura. E esse preconceito das elites é falta de cultura também. Porque o popular e o erudito andam juntos desde as civilizações antigas.

A discussão não deveria ser por gênero musical, e sim se o artista tem alma ou não. Vamos parar com esse negócio de querer transformar o Brasil na Áustria, de ficar bajulando quem vem de Nova York ou Paris. Paris é uma grande Tijuca, um suburbúbio com obras de arte.

Sua atuação no filme Federal foi bastante elogiada. Inclusive pelo ator americano que participou do longa, o Michael Madsen. Isso já se reverteu em novas propostas de trabalho no cinema?

O Michael realmente gostou muito de mim, queria me apresentar para o Tarantino. Disse para eu ficar na casa dele em Los Angeles. Só que eu tenho senso de realidade, né? Quase disse para ele: "Ok, Michael. Mas agora eu vou para casa, porque tem uma loucinha lá para lavar". De qualquer forma, esse trabalho foi mais uma sementinha plantada, mais uma porta aberta. Que venham os convites!

ENTREVISTA: ODAIR JOSÉ


O cantor goiano de 62 anos se apresenta em Curitiba no sábado. Segue a versão mais bruta da entrevista que fiz com ele para a (outra) Folha.

Leio por aí que os jovens universitários formam a base do seu público atual. E a audiência mais popular, deixou de acompanhar você?

Eu continuo conhecido entre o público popular e de idade mais avançada. Mas o Odair José não é mais o foco deles. No momento, são os jovens que vão aos meus shows, e eu fico muito feliz com isso. Porque é o jovem que sai de casa, não o velho.

Digo isso porque sou velho, não sou de ir para lugar nenhum. Segunda-feira agora, em Recife (no evento Rec-Beat), 30 mil pessoas ficaram debaixo de chuva para me ver tocar. Então, para mim está muito bom desse jeito.

De onde vem esse interesse dos mais novos pelo seu trabalho?

Não acho uma explicação muito adequada para isso, mas estou chegando à conclusão de que fiz uma coisa que teve qualidade. E digo isso sem pretensão nenhuma, até porque não sou desse tipo. O engraçado é que esses jovens se interessam mais pelo que produzi nos meus primeiros cinco anos de carreira.

Mas quais elementos da sua música, especificamente, você acredita que chamam a atenção dos novos fãs?

Meu som, apesar de ser simples, tem uma cara meio pop. Dentro da minha capacidade, sempre tentei fazer música de acordo com o que acontecia no resto do mundo. Sempre me interessei por rock inglês, pop americano.

Quanto às letras, acho que os jovens gostam delas porque falam do dia-a-dia da rua. Afinal de contas, eu também era jovem naquela época, né? (ri) De qualquer forma, penso que esse público me procura e me aceita porque uma nova geração de músicos fala de mim, grava minhas músicas.

Também leio que agora você é aceito pelos intelectuais. Que virou cult de uns anos para cá. Como se a sua parceria com o Caetano, ainda no começo dos anos 70, não tivesse existido...

É engraçado isso. Agora mesmo, no começo de janeiro, saiu uma matéria no jornal O Globo em que a mulher dizia assim: "A vida coloca Odair José em seu devido lugar". Mas onde eu estava, que não estava no meu devido lugar? (ri) Nunca vi o meu trabalho não ter algum tipo de reconhecimento.

O que aconteceu é que, em um determinado momento, eu não fui tão competente, atento, focado. E daí surgiu um espaço. Mas reconheço que comecei a ver minha música de outra forma nos últimos tempos. Hoje, graças ao público jovem, estou redescobrindo meu próprio repertório. E subo no palco para tocar com uma satisfação enorme.

Além de ser um cronista urbano, você também fala muito do amor. O amor mudou muito desde o começo da sua carreira?

O amor não mudou em nada, continua a mesma coisa. O que mudou é que as pessoas estão mais abertas a determinadas expressões do amor. Não é mais importante, por exemplo, você assinar um papel para provar que ama outra pessoa. O mesmo acontece com o amor entre duas pessoas do mesmo sexo.

Ainda assim, existem coisas que continuam sendo jogadas para baixo do tapete na sociedade. Como o cara que no domingo vai à missa, almoça com a sogra e, mais tarde, sai escondido com a amante. E depois ainda recrimina o filho, o vizinho ou o funcionário que tem uma postura parecida. É a famosa hipocrisia.

Eu só não acredito que amor e sexo sejam duas coisas separadas. Um puxa o outro, estão atrelados. Esses dias, estava almoçando com a minha mulher num restaurante quando entrou uma senhora enorme, pesada, com o marido. Minha mulher até comentou que eles ainda deviam se amar muito. Mas eu já acho que, além do amor, devem existir outras coisas que podem manter duas pessoas juntas. E uma dessas coisas é o sexo.

Você está prestes a lançar um novo disco de inéditas, com produção do Zeca Baleiro e colaborações de gente como Chico César, Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown. Dá para adiantar o que vem por aí?

Há dois anos o Zeca me convida para fazer esse disco. Mas eu achava que não era necessário, até porque meu repertório é muito grande. Gravei mais de 400 músicas, 30 discos. Só aceitei agora porque realmente acredito que escrevi algumas músicas boas.

Como a faixa de abertura, "Aconteceu", em que falo dos relacionamentos que surgem por acaso, na rua. Aquela coisa sem conceito e preconceito, num hotel sujo, com bebida falsificada. Ou a música que dá título ao disco, "Praça Tiradentes", que tem um arranjo na linha do Bob Dylan mais antigo, com harmônica.

Acho que esse disco me leva de volta para o Odair José dos anos 70, o Odair José da reportagem musical, que é onde eu fui melhor.

ENTREVISTA: ITAÉRCIO ROCHA (GARIBALDIS E SACIS)


Pra Fôia. A foto eu peguei por aí, mas é da Anaterra Viana.

FOLIA E RESPONSABILIDADES

Bloco pré-carnavalesco curitibano tem o desafio de administrar o próprio sucesso

Já está virando tradição. Durante os quatro domingos que antecedem o Carnaval, o desfile do bloco Garibaldis e Sacis atrai uma multidão de foliões e curiosos ao centro histórico de Curitiba. Uma movimentação iniciada em 1999, mas que tomou corpo para valer nos últimos três anos. Tanto que, agora, os organizadores da festa admitem ter um desafio pela frente: administrar o próprio sucesso.

"Estamos vivendo uma nova ordem", afirma o artista Itaércio Rocha, também conhecido na cidade por seu trabalho com o grupo Mundaréu. Um dos fundadores do bloco pré-carnavalesco, ele conta que a preparação para a temporada deste ano incluiu uma série de medidas burocráticas. Da transformação dos Garibaldis em "pessoa jurídica" ao estabelecimento de parcerias com órgãos públicos.

Outra providência nesse sentido foi pagar o Ecad (entidade que arrecada e distribui os direitos de obras musicais no Brasil). As duas partes chegaram a um acordo, reduziram custos, e o valor final ficou em cerca de R$ 1.600 para os quatro desfiles. Bem menos dos que os R$ 4 por folião que consta na tabela oficial - e, provavelmente, inviabilizaria a festa.

"Concordo que o compositor deve receber pelas suas canções. Eu mesmo gostaria, um dia, de receber pelas minhas", diz Itaércio, que ainda abre mão dos direitos da próprias marchinhas. Aliás, há quem aponte que o bloco vem tocando cada vez menos os temas autorais e priorizando os clássicos ("Cabeleira do Zezé", "Mamãe Eu Quero", "Maria Sapatão" e afins).

"Não é nada isso. A gente só está inserindo as canções da gente no meio das tradicionais. Do contrário, a festa não emplaca, não dá liga. Carnaval é isso, é criar conexões locais com músicas do mundo inteiro. O negócio é misturar Braguinha, Michael Jackson e (a cantora curitibana) Melina Mulazani", explica.

Em volta do carro de som, também se comenta sobre a seriedade de Itaércio na condução do desfile - como se o comandante do bloco fosse o que menos se divertisse. "Fico em função da plateia. Não estou lá de Ivete", brinca. "A gente almejou o sucesso, trabalhou por ele. Agora temos que resolver tudo isso", completa.

"Tudo isso" significa, entre outras atitudes, conscientizar os foliões sobre questões de segurança, organização e limpeza. E também interromper a farra para fazer agradecimentos, digamos, institucionais (citando órgãos como a Fundação Cultural, Diretran, secretarias do Meio Ambiente e do Turismo, etc.).

Mas essa "nova ordem" não pode prejudicar a espontaneidade da festa? Para Itaércio, os Garibaldis devem se preocupar em preservar dois elementos básicos: a alegria e o caráter comunitário. De resto, ele garante que não tem maiores planos para o futuro. "Meu desejo é que apareçam outros blocos, como já estão aparecendo. E que essa experiência estética, festiva e coletiva continue".

Batizado com esse nome por causa de seu itinerário original - entre o Saccy Bar e a Praça Garibaldi -, os Garibaldis e Sacis já chegaram à metade da temporada 2011. Ainda faltam dois desfiles: neste domingo e no dia 27. E, apesar de a organização pedir contribuições simbólicas (para pagar o Ecad), o evento é livre para quem quiser aparecer.

ENTREVISTA: ALVINHO LANCELLOTTI (FINO COLETIVO)


Também publicada em papel-jornal.

A NOVA CADÊNCIA DO SAMBA

Antídoto contra o som "de raiz", Fino Coletivo é a pedida de hoje na programação de Curitiba

Nos últimos anos, a revalorização do samba de raiz fez surgir uma infinidade de novos entusiastas do gênero. São jovens tão afeitos à tradição que, não contentes em emular canções de outros carnavais, adotam até um figurino de época, com direito a roupinhas de fazenda, cordões de ouro e chapéus-panamá.

Mas a música brasileira sempre nos oferece antídotos contra a mesmice. É o caso do grupo Fino Coletivo, formado por cariocas e alagoanos, que toca hoje em Curitiba, no Music Hall. Com dois discos no currículo, o sexteto abraça o samba e o atualiza, adicionando elementos de funk, reggae, rock e hip hop.

"Como o samba andou meio esquecido no Rio por um tempo, foi importante esse movimento de resgate ter aparecido. Só que eu, particularmente, não quero reproduzir o que já foi feito. É uma coisa meio boba", afirma o vocalista Alvinho Lancellotti, em entrevista à reportagem da FOLHA.

Filho do compositor de sambas Ivor Lancellotti (e irmão do músico Domenico), ele reconhece que tinha tudo para integrar a turma "de raiz". "Cresci vendo o João Nogueira cantar na minha frente. Mas também sou fã de Michael Jackson, pô! Acho estranho um cara de 27, 30 anos usando chapéu na rua", diz.

Outro integrante da banda com DNA musical é o tecladista Donatinho, herdeiro do genial João Donato. Segundo Alvinho, sua entrada na banda, após o primeiro álbum (de 2007), foi fundamental para definir a sonoridade atual do Fino Coletivo - caracterizada por timbres personalíssimos.

Copacabana, o registro do ano passado, também é marcado por um forte apelo pop. Além das composições leves e diretas, o material traz uma certa limpeza técnica. "Gravamos tudo no estúdio novo do baixista. As vozes estão melhores, o som chega mais no ouvinte", explica o vocalista.

Essa lapidação chamou a atenção do selo Oi Música, mantido por uma operadora de telefonia móvel. Responsável pelo lançamento do último disco, a companhia vende downloads das faixas para celular e divulga o Fino Coletivo nas redes sociais da internet, por meio de sua assessoria de imprensa.

"Essa parceria caiu do céu. Estávamos com o disco quase pronto e não sabíamos o que fazer com ele. As próprias gravadoras não sabem mais", conta o músico, que garante não receber interferência artística da companhia. "É tão difícil viver de música no Brasil, que qualquer oportunidade dessas é válida".

PS - Shows de abertura com os locais Supercolor e Locomotiva Duben.

ENTREVISTA: MR. CATRA


Para "A Outra Folha da Terra"

UM FUNKEIRO NA ALTA RODA

Mr. Catra, ícone do gênero, é a atração de hoje em boate "top" de Curitiba

"Irmão, o funk é o único movimento que nivela todas as classes sociais. Funkeiro é todo mundo que dança, que se expressa com corpo". Quem garante é Wagner Domingues da Costa, o Mr. Catra, um dos maiores ícones do gênero musical surgido nas favelas cariocas. Atração de hoje na Awake, uma das boates preferidas da alta roda curitibana, ele afirma que não faz a menor distinção entre seu público.

"Tem patricinha que rebola mais do que favelada. A única coisa que você não vai ver, mano, é playboy cantando funk em cima do palco", diz, gargalhando, o MC de 42 anos. E não se trata de um discurso simpático para agradar a audiência. Nascido no Morro do Borel, mas criado numa casa de ricos, onde a mãe era empregada, ele é realmente um expert no trânsito entre os dois mundos.

Conhecido por seu estilo de vida excêntrico, digno de suas letras "cabeludas", Catra cumpre uma exaustiva maratona mensal de shows para sustentar a família numerosa. É o preço que paga por ter 20 filhos, de várias mulheres. A agenda lotada, no entanto, não justifica a duração tão reduzida de suas apresentações (de cerca de uma hora). "As músicas de rap têm entre três e cinco minutos. Então, um show de uma hora é pouco. Já as músicas de funk têm, no máximo, um minuto e meio. Uma hora de funk é muito, irmão!", explica, rindo.

Questionado sobre a última grande ofensiva policial contra o tráfico de drogas no Rio, Catra muda o tom. "Isso é uma babaquice. O modelo das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) não funcionou em outros países e não vai dar certo aqui também", afirma. Para ele, a solução é a liberação geral das drogas. "Tem que liberar e tributar. Assim, o governo ganha dinheiro, paga melhor o policial e todo mundo se sente mais seguro. O Rio tem que ser igual a Amsterdã".

O papo volta a ficar relaxado quando o assunto é o planejamento para este ano. Sem gravar um disco completo desde 2006, o MC prepara nada menos do que seis lançamentos. A ideia é compilar todas as faixas avulsas disponibilizadas na internet e que saíram em coletâneas internacionais nos últimos anos. Em outra frente de trabalho, ele também pretende agenciar novos artistas, como o grupo Havaianas, a cantora e dançarina Mariana Souza e Alandinho, seu filho mais velho.

Mas o projeto mais interessante dá conta do primeiro documentário "oficial" sobre sua trajetória. "Oficial" porque, no ano passado, vazou na web o piloto de um programa de tevê que não vingou, "90 Dias com Catra". Espécie de reality show baseado no cotidiano do funkeiro, o vídeo fez sucesso na rede e acabou motivando a realização de um longa-metragem.

Segundo o MC, a produção do filme será de Paula Lavigne, empresária e ex-mulher de Caetano Veloso. E a direção, do próprio baiano. "O Caetano tem uma visão política e social muito grande", elogia. Se a informação for mesmo quente, vem aí uma das parcerias mais poderosas da cultura pop brasileira.

ENTREVISTA: LEANDRO DELMONICO (CHARME CHULO)


Matéria para a Fôia.

O QUE HOUVE COM O CHARME CHULO?

Em nova fase na carreira, banda curitibana toca na capital e em Londrina no fim de semana

Os roqueiros caipiras do Charme Chulo estão de volta à terrinha. Tocam hoje na capital e amanhã em Londrina, nos bares Jokers e Valentino, respectivamente. Os shows marcam o reencontro do quarteto, no palco, após o ‘‘desmonte’’ do apartamento do grupo em São Paulo. Depois de quase um ano morando juntos por lá, os integrantes agora vivem em cidades diferentes. É ‘‘a nova ordem’’ da banda, como define o guitarrista (e violeiro) Leandro Delmomico.

‘‘A ideia, este ano, é reelaborar o show, tocar esporadicamente e preparar o terceiro disco’’, afirma Leandro, que retornou a Curitiba. Ele continua próximo do parceiro de composição, Igor (voz), atualmente em Ponta Grossa. Luciano (baixo) também voltou para casa, em Rolândia, e Rony (bateria) continua na megalópole. Mas, afinal, o que houve com o Charme Chulo?

Segundo o guitarrista, os quatro se mudaram de mala e cuia para descolar um produtor/empresário que ajudasse a impulsionar a carreira da banda. Não encontraram a figura certa, mas ao menos conseguiram se manter às próprias custas. ‘‘Foi uma surpresa, até para os nossos amigos, a gente pagar aluguel tocando música própria no interior de São Paulo’’, diz.

A correria da autoprodução, no entanto, causou um certo desgaste no grupo, que também não se identificou com o ritmo da cena musical paulistana. ‘‘Todo mundo está lá para fazer uma rede social, tentar ser pop. Tem festa o tempo todo na casa das bandas, baladas na Rua Augusta. Temos vários amigos nesse meio, mas a vida de sexo e drogas não é muito propícia para nós. Somos mais caipiras, no bom sentido’’, admite.

De qualquer forma, Leandro faz uma avaliação positiva do período. E acredita estar inspirado para compor o álbum mais ousado da trajetória do Charme Chulo. ‘‘Acho que a gente precisa dar uma de Dalton Trevisan e se esconder um pouco. É hora de tocar menos, se valorizar e gravar um disco legal para lançar em 2012’’, afirma.

Em tempo: o show de abertura em Curitiba fica a cargo do grupo Pão de Hamburger, uma das gratas revelações dos últimos tempos na cidade. Nome nonsense à parte, o quinteto se inspira no rock setentista para fazer um som completamente fora de moda - e, talvez por isso, muito autêntico. Destaque também para a formação com três guitarras sempre bem timbradas.

ENTREVISTA: ANDRÉ GONZALES (MÓVEIS COLONIAIS DE ACAJU)


Os brasilienses tocam em Curitiba no domingo, com os locais do Gentileza. Seguem trechos do papo.

BASE EM BRASÍLIA

Há uma vantagem de estar Brasília, pois nos últimos anos surgiram novos palcos, novos festivais no Brasil. O circuito dos festivais saiu do eixo Rio-São Paulo e agora está forte também no Norte e no Nordeste. Nesse sentido, Brasília é um ponto estratégico para viajar e atingir o país de forma mais ampla.

Claro que em São Paulo a circulação de gente, mídia e investimento é bem maior. Isso é visível no nosso calendário deste ano, em que tocamos mais no estado de São Paulo do que no Distrito Federal. Talvez tívessemos uma redução de custos morando lá, mas ficando aqui a gente faz mais pela nossa cidade.


BANDA-EMPRESA

Só dois integrantes têm outros empregos, o restante se dedica exclusivamente à banda e participa da divisão das tarefas. No fim de 2009, recebemos uma consultoria em administração, de um grupo da UNB, que estruturou o Móveis como se fosse uma empresa, em setores. Comunicação, finanças, administrativo, logística, relações instituicionais, vendas...

Hoje somos uma empresa mesmo, emitimos nota fiscal. A gente ainda está aprendendo, ainda tem que melhorar alguns processos. Mas somos muito cautelosos. Não queremos inflar demais nossa estrutura, para não criar uma dependência disso. Além do mais, se você aumenta o volume de pessoas trabalhando com a banda, passa a ser responsável por elas.

Ninguém gosta de fazer contas, montar tabelas. É chato mesmo. Mas vale a pena. Porque quando você cuida do próprio negócio, passa a colocar na parte burocrática os valores que já coloca na parte artística. No nosso caso, são coisas em que a gente acredita, como o processo coletivo, o desapego, a flexibilidade.


LETRAS EM SEGUNDO PLANO?

De fato, as letras da banda são pouco comentadas em comparação com os shows, com a interação da plateia. Mas cada disco tem uma temática definida.

O primeiro fala, de forma geral, do indivíduo na modernidade. Um personagem que tem a necessidade de agradar a todos, cheio de compromissos e sem tempo de cumprir todos eles. É uma sátira, bem irônica e nonsense, ao comportamento humano.

O segundo disco já fala de outra coisa. É reflexo do processo de criação coletiva que foi sendo construído na banda e também da nossa relação com o público. Ou seja, o assunto é o próprio processo. É essa troca.


TERCEIRO ÁLBUM

O álbum cheio é importante, sim. Para a banda, o público e a mídia. Porque ele tem um conceito, uma identidade definida. E isso facilita o diálogo.

No começo do ano que vem, vamos entrar em estúdio com um produtor (Dudu Marote) para gravar um EP, talvez com três músicas. É uma forma de não deixar o público sem material novo e, ao mesmo tempo, dar um primeiro passo para o terceiro disco. A ideia é que o álbum fique pronto até o fim do ano que vem. Mas acho que o lançamento mesmo só vai acontecer em 2012.


AVALIAÇÃO 2010

Em todos os anos da nossa história a gente sentiu um crescimento. A trajetória da banda é progressiva, é uma caminhada. Não acontece nada de repentino. Estamos construindo uma relação sólida com o nosso público.

Mas 2010 começou muito bem, com os shows e a gravação do DVD no auditório do Ibirapuera. Teve ainda o festival Natura Nós About Us, a música na novela, o projeto de covers Adoro Couve e mais uma edição do nosso próprio evento, o Móveis Convida.

Este ano também começamos a nos envolver mais na discussão sobre a música em Brasília, participando da Cebac-DF, a Comissão de Bandas e Artistas Circulantes. A ideia é organizar os artistas para ter uma representação política maior.

ENTREVISTA: MV BILL


O rapper lança hoje, em Curitiba, o disco Causa e Efeito (2010). Seguem trechos da entrevista que fiz com ele para A Outra Folha da Terra.

MÚSICA

Esse é, com certeza, o meu melhor momento musical. Ou, talvez, o primeiro momento em que eu consigo equilibrar todas as minhas atividades. Porque a minha música nunca teve tanta atenção. Mas nunca fui frustado pelo fato de os meus discos não terem tanta visibilidade quanto os meus feitos sociais.

(...) Esse disco é um dos mais diversificados e politizados da minha carreira. Mas também tem um certo resgate, uma conexão com uma realidade que eu vivi quando gravei o Traficando Informação (2000). Em algumas músicas, falo do tratamento desdenhoso que a polícia e a clásse média dão para a juventude e os moradores de favela. Um distanciamento que continua igual.

(...) Aprendi a não podar minha música, a não querer controlar quem ela poderia atingir. Percebi que muitas pessoas para quem eu direcionava meu trabalho não estavam nem aí para ele. Queriam curtir outros ritmos, outros tipos de som. Hoje, muita gente que não é pobre e nem favelada gosta da minha música. E isso não me preocupa mais.


GUERRA CONTRA O TRÁFICO

Particularmente, não olho isso com espanto. Quem acompanha o rap desde os anos 90 sabe que o barril de pólvora já estava armado faz tempo. Muitas pessoas viviam da venda de drogas e concentravam um grande poderio bélico. Quando o Estado decidiu desarmá-las, elas reagiram com violência. Só espero que esse não seja o único tentáculo do Estado no Alemão. Que outros exércitos, sociais, sejam enviados para lá também.

(...) A Cidade de Deus foi uma das primeiras comunidades a receber a UPP (Unidade de Polícia Pacificadora). Como a gente não tinha referência do que era a UPP, e ninguém explicou direito, não soube se preparar para a invasão.

(...) Não sei quantificar os excessos cometidos por policiais. Mas se aconteceu uma vez, para mim já é decepcionante. Porque a população das comunidades não é contra a polícia, e sim contra a metodologia usada por ela. Em 2007, por exemplo, a Cufa (Central Única das Favelas) fez uma pesquisa para saber o que os moradores da Cidade de Deus achavam do Caveirão. E, surpreendentemente, a maioria aprovou.


MEDO

O momento mais complicado, tenso e triste da minha vida foi em 2002. Eu estava andando pela Cidade de Deus quando um policial me abordou e ficou andando 20 minutos comigo, com um revólver nas minhas costas. Me chamou de macaco, ridicularizou minhas tatuagens. Eu já era uma referência na comunidade, e todas as crianças viram aquilo, os moradores ficavam pedindo para ele me soltar.

(...) Esse policial foi assassinado no ano passado. Parece que era envolvido com mílicias, respondia a dois processos por agressão a civis. Durante muito tempo tive receio de que ele voltasse para me matar.

ENTREVISTA: TÚLIO BRAGANÇA (PAGODEVERSIONS)


Versão original da matéria que fiz para a Fôia.

BRING THE CAÇAMBA

Conhecido por suas versões indie de hits do pagode, Túlio P & B se apresenta hoje em Curitiba

Intenso, melancólico e hipnótico são alguns dos adjetivos que podem definir o grupo Hotel Avenida, que se apresenta hoje no Wonka Bar, em Curitiba. O show marca o lançamento do primeiro DVD da banda e a estreia de novos integrantes (que se somam à dupla Ivan Santos e Giancarlo Rufatto). Mas o dado curioso da noite fica por conta de uma atração de abertura, digamos, contrastante: Túlio Pires Bragança, a figura por trás do projeto Pagodeversions.

Em meados de 2009, Túlio se tornou uma celebridade instantânea da internet graças a uma série de vídeos despretensiosos, em que aparece cantando e tocando violão em casa. No repertório das gravações, apenas versões em inglês, ao pé da letra, de hits do pagode romântico dos anos 90. Músicas como ''Brown Good Good'' (''Marrom Bombom''), ''I've Fallen in Love With the Wrong Person'' (''Me Apaixonei pela Pessoa Errada'') e ''Bring The Caçamba'' (''Traz a Caçamba'').

Ao todo, são 17 vídeos, que já foram vistos mais de 300 mil vezes no YouTube. Segundo o próprio músico, trata-se um número pequeno se comparado a outros ''virais'' famosos da web. A repercussão da brincadeira, no entanto, foi surpreendente. Entre agosto e dezembro do ano passado, o Pagodeversions ganhou destaque em revistas, sites, telejornais e programas de variedades. Até no Caldeirão do Huck ele se apresentou.

''Só não toquei no programa do Netinho de Paula porque me bateu uma crise. Não queria que me vissem como um palhaço'', confessa. O primeiro e único show, realizado no fim de 2009, também o fez repensar o projeto. ''Muita gente disse que foi um stand-up comedy com música. E isso para mim não é bem um elogio'', afirma.

Túlio é publicitário e vivia em Buenos Aires, por motivos profissionais, na época do sucesso relâmpago do Pagodeversions. O que explica um pouco a essência do projeto. ''Quando você mora fora do Brasil, certas coisas ganham outros significados. Às vezes, eu ouvia um refrão do Jota Quest e aquilo me trazia um sentimento. Se estivesse aqui, acharia uma droga'', explica.

Mas, afinal, a exposição midiática, mesmo que breve, reverteu-se em algum dinheiro? ''Não, porque eu não fui atrás. Deveria ter sido mais empreendedor'', reconhece. ''Por outro lado, isso virou uma referência profissional em entrevistas de emprego e reuniões na agência. Esses dias, meu chefe queria me apresentar e mostrou um dos vídeos'', completa.

Para o show desta noite, o músico (que agora assina Túlio P & B) promete um repertório híbrido. Acompanhado do amigo Walter Petla, vai mostrar suas famosas versões indie-pagodeiras e canções de uma banda britpop em que tocou no início dos anos 2000, Johnz. A novidade fica por conta de um cover de ''Não Faz Mal'', da baiana Mara Maravilha.

Já disponível no YouTube, a releitura pode ser o pontapé inicial de um novo projeto. A ideia, ele adianta, é gravar hits infantis com arranjos inspirados na sonoridade de artistas como Belle & Sebastian e Jens Lekman. Uma proposta mais lúdica do que cômica. ''Se você prestar atenção, músicas como 'Cãozinho Xuxo', ou 'Pra Ver se Cola', do Balão Mágico, têm letras deprê. No fundo, são todas muito tristes''.

ENTREVISTA: CATATAU (CIDADÃO INSTIGADO)


Outra para a Fôia.

PINK FLOYD COM ODAIR JOSÉ

Cidadão Instigado mostra hoje em Curitiba sua mistura instintiva de referências

De volta a Curitiba, o grupo Cidadão Instigado apresenta hoje o repertório daquele que talvez seja o último grande disco brasileiro da década passada: ''Uhuuu!'' (2009). Menos radical do que os dois álbuns anteriores da banda, o material consolida a combinação instintiva de referências promovida pelo líder Fernando Catatau. Uma mistura de Pink Floyd com Odair José, Dire Straits com Tom Zé, psicodelia nordestina com rock de FM...

Para o show desta noite, que acontece no John Bull Pub, Catatau promete tocar pelo menos metade da canções do registro do ano passado (produzido com recursos do Prêmio Pixinguinha, patrocinado pela Funarte). E se o sexteto estiver ''no clima'', pode até se arriscar em covers de Sérgio Sampaio e da Legião Urbana. ''Não sou o melhor cantor para fazer isso, mas a gente tenta'', brinca o músico cearense, em entrevista à reportagem da FOLHA.

Conhecido por seu talento como guitarrista, Catatau já fez parte da banda de apoio de Vanessa da Mata e hoje acompanha nomes como Otto, Karina Buhr e Instituto. Também produziu o último disco de Arnaldo Antunes e prepara o próximo solo de Siba (Mestre Ambrósio). Entre um trabalho e outro, ainda mantém um projeto instrumental e dá os primeiros passos como compositor de trilhas sonoras (é dele a música de ''Transeunte'', primeiro longa de ficção do diretor Eryk Rocha).

A voz, no entanto, é um elemento que ele mesmo considera ''em evolução'' dentro da proposta do Cidadão Instigado. Isso explica, em parte, a guinada melódica percebida em ''Uhuuu!'' - e que deixou o som do grupo mais acessível. ''No início, como eu não conseguia direito cantar e tocar ao mesmo tempo, as músicas eram mais faladas. Vou fazendo as coisas de acordo com as minhas dificuldades'', reconhece.

Dificuldades que, por sinal, são a matéria-prima das letras de Catatau, marcadas por uma ingenuidade às vezes desconcertante. Não que todas as suas composições sejam melancólicas, mas a maiora delas trata de solidão, amores doloridos, devaneios, inadequação. Radicado em São Paulo há mais de dez anos, o artista conta que sentiu na pele o preconceito contra os nordestinos. E foi justamente desse isolamento que surgiu o Cidadão Instigado.

Questionado sobre a onda antinordestina iniciada após a terceira vitória seguida do PT nas eleições presidenciais, o cearense não se mostra chocado. ''Isso existe desde sempre. A diferença é que, antes, só se dizia entre amigos. Agora tem a internet, o Twitter, o Facebook. As pessoas se sentem mais soltas para falar as coisas por aí, e todo mundo acaba sabendo'', diz.

Antes de encerrar a conversa, Catatau falou sobre o próximo disco da banda, previsto para 2011. Segundo ele, o repertório está quase completo e as gravações vão começar com ou sem recursos públicos. ''O Prêmio Pixinguinha só rolou porque as meninas que produzem a gente inscreveram um projeto. O álbum sairia de qualquer jeito'', garante. E completa: ''O apoio à cultura é importante, mas não gosto de política musical. Tem gente pensando só em projeto, ao invés de pensar em música''.

ENTREVISTA: LURDEZ DA LUZ


Matéria para a Fôia, sobre a rapper que gravou um dos meus discos nacionais preferidos de 2010.

UMA MC SEM CLICHÊS

Paulista Lurdez da Luz é destaque de festival de rap que acontece amanhã em Curitiba

Pouco comentada, mas passando por um bom momento, a cena curitibana do rap se encontra novamente amanhã, no Moinho Eventos. Cerca de 2 mil pessoas são esperadas para o festival Yo! Sallve 10, produzido por uma marca de roupas da cidade. No elenco, mais de dez artistas locais e de outros estados - entre eles Pentágono, Contrafluxo, Elo da Corrente, Rapadura e Cabes. O destaque fica por conta da paulista Lurdez da Luz, responsável por um dos melhores discos da temporada.

Conhecida no meio do hip-hop por seu trabalho no projeto Mamelo Sound System (ao lado de Rodrigo Brandão), a MC de 30 anos lançou este ano o primeiro material solo, autointitulado. São nove faixas marcadas por uma combinação de elementos eletrônicos e orgânicos, com fortes tintas brasileiras. Acompanhada por DJs e instrumentistas ''de verdade'', ela aposta em timbres e texturas que remetem o ouvinte à sonoridade dos discos nacionais dos anos 60 e 70.

A candidata a hit ''Andei'', por exemplo, apropria-se do tema homônimo composto por Hermeto Pascoal, também gravado por Airto Moreira e Flora Plurim. Já em ''Corrente de Água Doce'', a influência vem dos ritmos regionais nordestinos e é reforçada pela participação especial de Jorge du Peixe, vocalista da Nação Zumbi.

''Não sou muito enciclopédica. Faço pesquisa musical no dia-a-dia, porque tenho prazer com arte. E, nos últimos quatro anos, escutei muito mais música brasileira do que rap'', diz a MC, em entrevista por telefone à reportagem da FOLHA. ''Minha ideia é transformar o universo do canto falado numa linguagem mais musical, mas não apenas sampleando bases antigas'', acrescenta.

Outra boa surpresa do disco de estreia é a temática diferenciada, que explora o amor em suas mais variadas formas (homem-mulher, mãe-filho, etc.). Com uma feminilidade natural, sexy sem ser forçada, Lurdez cria identificação com as ouvintes e ainda dá dicas interessantes para os marmanjos. Como na faixa ''Eu Sou o Cara'', em que se coloca numa posição masculina para mostrar como uma mulher gosta de ser tratada.

''Tentei me desvincular dos clichês'', afirma a rapper, que promete um projeto ousado para 2011: gravar um álbum conceitual inspirado no livro/espetáculo musical ''Nas Quebradas do Mundaréu'', do dramaturgo Plínio Marcos. A proposta, ela diz, inclui uma homenagem ao samba paulista - mas sem deixar de lado a pegada do rap. ''Acho que nunca vou perder essa minha origem. Até porque, se isso acontecesse, o trabalho deixaria de ser relevante'', garante.

FÁBIO ELIAS: "O PIOR JÁ PASSOU"


Versão original da matéria que produzi para a Folha de Londrina e saiu no último domingo (31/11).

MEU PRIMEIRO ANO CAIPIRA

Figura simbólica do rock parananense, Fábio Elias fala sobre sua ''conversão'' à musica sertaneja

Durante quase duas décadas, Fábio Elias, 34, foi uma das figuras mais simbólicas da cena musical paranaense. À frente da banda Relespública, fundada quando ele ainda era um adolescente, o cantor e guitarrista gravou discos, videoclipes, DVDs e rodou o Brasil fazendo shows. Mais do que isso: ergueu a bandeira do rock and roll clássico num país que praticamente ignora o gênero.

Mas algo mudou na relação do músico com seu fãs fiéis. Há exatamente um ano, Fábio anunciou uma guinada radical na carreira. Estava trocando os porões alternativos pelos bailões caipiras. Seu alvo, a partir dali, seria o público do subgênero emergente conhecido como ''sertanejo universitário''. Para os roqueiros xiitas, não poderia haver traição maior.

Meses depois, em abril deste ano, veio o primeiro lançamento, um CD com 13 faixas intitulado ''Me Dê um Pedaço Seu''. A estratégia de divulgação incluiu um clipe ''polêmico'', em que ele aparecia bem mais magro, vestido à moda country e se arriscando numa dancinha desajeitada. Foi o suficiente para que os antigos admiradores e os detratores de plantão promovessem um verdadeiro linchamento virtual nas redes sociais da internet.

Sobrou até para a mulher do músico, a psicóloga e âncora de rádio Maria Rafart. Doze anos mais velha do que Fábio Elias, e com forte influência sobre o artista, ela foi apontada como a grande responsável pela mudança de rumos do marido - uma espécie de ''Yoko Ono da Relespública''. A banda, entretanto, não terminou. Apenas interrompeu suas atividades por conta das divergências, digamos, conceituais.

Maria já era empresária do grupo quando os dois se casaram numa cerimônia roqueira, em cima de um palco e com direito a uma canção composta especialmente para a noiva. Pouco depois, ela sugeriu que Fábio se mudasse para São Paulo, com o objetivo de ficar mais próximo de gravadoras, produtores, empresários e grandes veículos de comunicação.

Em sua peregrinação pela megalópole, o músico chegou à conclusão de que não havia espaço no mercado para o som retrô da Relespública. Disposto a buscar novos caminhos artísticos, flertou com as batidas eletrônicas e acabou chegando à nova onda caipira. ''Sempre cantei música sertaneja em casa, nas churrascadas. Só os parentes e amigos próximos sabiam disso'', afirma, defendendo-se das acusações de oportunismo.

Para Fábio, o grupo era um ''investimento sem retorno''. ''Sou um artista profissional, meu trabalho é compor e tocar. Quero viver, e não apenas sobreviver, de música'', diz. A questão financeira, no entanto, não foi o único fator que pesou na mudança. ''Gosto de ver o público cantando, dançando, feliz. Os últimos shows da Relespública tinham menos de 60 pagantes'', conta.

Isso não significa que a carreira sertaneja já esteja indo de vento em popa. O cantor ainda é pouco conhecido no meio e suas canções não são tocadas nas rádios da capital. Por enquanto, é como ele estivesse num limbo musical - muito roqueiro para os caipiras, muito caipira para os roqueiros. ''Não tenho medo de cair nesse limbo, porque o meu diferencial é justamente esse'', afirma.

Seja como for, Fábio faz uma avaliação positiva deste primeiro ano. ''Eu tinha dois problemas para enfrentar: saber se esse era mesmo o meu caminho e aguentar a mediocridade das críticas vazias. Mas já estou lançando um segundo CD, vou gravar um DVD e agora ninguém me segura mais. O pior já passou''.


EM NOVA EMBALAGEM

Para quem já gravou um disco chamado ''E o Rock'n'Roll, Brasil?'', Fábio Elias está mesmo irreconhecível. A voz rouca e a ingenuidade romântica das letras continuam iguais, mas sua atual embalagem (sonora e visual) é de dar arrepios nos roqueiros de carteirinha.

Se no primeiro CD solo a transformação era tímida, agora ele reaparece ainda mais magro e completamente adequado ao guarda-roupa country. Os óculos de aros grossos, sua marca registrada dos tempos da Relespública, devem ter ido parar no lixo.

Outra novidade é a parceria com a mulher, Maria Rafart. Juntos, os dois assinam músicas como ''Não Fique Sozinha'', ''Pensando em Você'', ''Me Dê um Pedaço Teu'' e a assumidamente autobiográfica ''Parei!''. Diz a letra: ''Parei de beber o bar / Parei de sair só pra pegar /Parei com essa vida louca''.

''Depois que casei, entrei num outro ritmo de vida, mais tranquilo'', diz o cantor, que faz questão de destacar o apoio incondicional da companheira. ''A Maria me incentivou a tentar outro caminho. No auge das críticas, ela disse que os grandes gênios são incompreendidos mesmo, e que estaria sempre do meu lado''.

ENTREVISTA: TOM ZÉ


Tom Zé chega hoje a Curitiba para fazer três apresentações do show O Pirulito da Ciência, uma retrospectiva de sua carreira. Seguem os highlights do longo papo que tivemos (a versão empacotada saiu aqui).

"Minha luta, desde o princípio, é no sentido de manter o ouvinte atento. Para isso, me esforço para sobrepor camadas de informação durante o show, para fazer um trabalho de corpo. Tem sido assim desde que me descobri incapaz de fazer uma música para o mainstream, uma música perfeita, regular. Não tenho o pathos do cantor. Cantar para mim é pouco. Não consigo me imaginar só cantando durante 50 minutos."

"Todo acontecimento artístico novo vem acompanhado de inovações técnicas. Na Itália do Renascimento, os artistas não fizeram aquela revolução sozinhos. Eles tiveram por trás fabricantes de tintas e telas que duram até hoje. No Brasil, tem sido a mesma coisa com a música. Eu me lembro que, quando surgiu o hi-fi, o pessoal que trabalhava com os Românticos de Cuba já concebia os arranjos para aproveitar o potencial daquele som. Quando o João Gilberto entrou no estúdio pela primeira vez, já tinha um técnico lá pronto para fazer aquilo, com um microfone dinâmico ideal para gravar a voz dele. E até hoje o Brasil tem muita gente competentíssima nessa área, ao contrário do que muitos artistas dizem."

"Às vezes, você vai no fundo do lodo e encontra uma flor. É o meu caso com 'Atoladinha'. Naquele espetáculo, naquela cerimônia social da qual o som do funk participa, a mulher é degradada. E aí vem uma música com um refrão que combate isso, que traz um lancinante grito de liberdade da mulher. Quando toca essa música, ninguém pensa em uma pessoa caminhando com cuidado na lama. A letra fala dos líquidos da sexualidade correndo pelo corpo com toda a liberade. Isso é uma maravilha do ponto de vista da saúde, e também uma rebeldia terrível contra igreja, contra tudo. Repito o que já disse: 'Atoladinha' é multirrefrão, microtonal e plurissemiótica."

"É natural o preconceito do brasileiro contra os gêneros de música mais populares. Somos uma sociedade que quer sair do campo e ir para a universidade. E isso é uma merda. Mas o nordestino, por exemplo, como observou Euclides da Cunha, procede como um cientista, apesar de ser analfabeto."

"Todo mundo gosta de sertanejo, porque fala das coisas simples e boas da vida. Mas, para justificar, inventaram agora esse sertanejo universitário. Puta que o pariu, hein?"

"Não tenho nada contra o brega, o popular. Só não faço meia dúzia de pagodes e músicas caipiras porque não sei fazer. Tenho inveja desses artistas."

"A utilização das leis de incentivo é uma questão ética, como tudo mais em que uma sociedade se envolve. Mas o fato é que quem tem mais fama, levanta mais dinheiro. E o que foi criado para garantir a chegada do novo, do experimental, do criativo fica sem espaço. É um aproveitamento meio imoral dos recursos públicos"

"Me perguntaram se eu queria ser anistiado. Mas eu estudei em escola pública desde o ginásio, ganhei uma bolsa para continuar na faculdade, almocei no restaurante universitário. Então eu acho, na verdade, que tenho um débito para com a nação. Não posso receber isso que você chama de 'bolsa ditadura'."

"Só falo sobre esses assuntos de leis de incentivo, de dinheiro público quando os jornalistas me perguntam. Meu negócio é enfrentar a realidade de peito aberto, sem ser queixoso. Porque quem é queixoso não faz nada. Eu, não. Eu tenho ideias para transmitir. Queixa não levanta um povo para trabalhar, não faz cócegas na imaginação das pessoas."

ENTREVISTA: SÉRGIO DIAS (OS MUTANTES)


Aproveitei que Os Mutantes tocaram por aqui e fiz uma entrevista rápida com o Sérgio Dias. Em pauta, a desconfiança da imprensa brasileira (ou de parte dela) com relação à formação da banda sem o Arnaldo Baptista. Seguem uns trechos brutos A versão para o consumidor final (hehe) está aqui.

"Olha, lindo. A problemática é a mesma desde que a banda nasceu. E acredito que aconteça com você também, na sua profissão. Aqui no Brasil, a gente sofre uma repressão imensa. Temos que fazer as coisas do jeito que esperam que a gente faça. Nos anos 60, me disseram, por exemplo, que uma música como 'Balada do Louco' não iria chegar a lugar nenhum."

"O Brasil ainda vive uma enorme depressão por causa da ditadura militar, que resultou numa devastação cultural. O brasileiro está com muita raiva. No trânsito, nos bares, na crítica musical. Até sexualmente. Vão tomar banho! O Arnaldo sempre entra e sai da banda. O que eu posso fazer? Isso é problema dele. É problema da Rita Lee. Deixa eu viver o que a vida está me trazendo. As pessoas têm que entender que Os Mutantes não são mais só do Brasil."

"O Dinho é um cara fenomenal. Tem uma importância imensa dentro d'Os Mutantes. É por causa dele que a banda voltou. O Dinho ficou 25 anos sem tocar. Porque a música não faz sentido para ele se não for com Os Mutantes. Ele sempre foi o mais ponderado, o mais pé no chão. Um contraponto ao comportamento volátil da Rita, do Arnaldo e meu. É muito sério em tudo o que faz. Por isso, quando ele disse "Eu toco", entendi como a coisa era realmente forte.''

"Quando você entra embaixo da estrela d'Os Mutantes, é outra energia. É algo intangível, nada concreto, que só o artista consegue entender. Há coisas neste disco novo que eu nunca faria na minha carreira-solo."

ENTREVISTA: EMICIDA


Hoje tem show do Emicida em Curitiba. Segue, abaixo, a versão crua (ou quase isso) da entrevista que fiz com ele para o jornal. A matéria "oficial" está aqui.

Por que você preferiu lançar o primeiro trabalho no formato de mixtape, em vez de soltar logo um álbum "oficial"?
É uma mixtape por ser uma parada bem momentânea. Tá certo que ali existem canções de 10 anos, mas são várias fases das minhas rimas. Por isso achei melhor fazer uma mixtape. E tem mais. Na minha cabeça, fazer um album é fazer algo muito maior. Minha carreira vem sendo contruída há anos, com passos pequenos. Lançar uma mixtape pra ter um trabalho físico e chegar a um público maior foi apenas mais um desses passos. Começamos a pensar no álbum oficial agora.

E quando vai sair esse primeiro disco?
Não posso te dar uma data, estamos começando a gravar outra mixtape. Adoro fazer mixtapes. É mais rápido, é um mercado pouco explorado no Brasil. Você não vê muitas circulando por aí e aparecendo nos veículos de comunicação. Quero alimentar todos os tipos de público que se interessam pelo meu trabalho. Conheço os irmãos do rap, mas sei que já não canto apenas pra eles. E as mixtapes servem para que eu esteja mais próximo desses irmãos que consomem rimas adoidado. Um disco vem com uma proposta maior, na minha perspectiva. Mais musical, talvez, com intenção de fazer barulho realmente. Mas ele tá chegando já.

O disco vai ter músicas já conhecidas? Quem está envolvido na produção? Vai ter participações especiais?
Meu disco será totalmente inédito. Não posso te adiantar quem vai estar envolvido, mas sei que quero colocar algumas pessoas em que acredito muito. Tipo Felipe Vassão, Damien Seth, o Nave daqui de Curitiba e uma cantora de Brasília chamada Ellen Oléria. Mas ainda é cedo, tem pouca coisa escrita pra ele. Muita idéia, mas pouca coisa.

Qual o papel das batalhas de MCs no desenvolvimento e divulgação da sua carreira?
Sempre vi as batalhas como um estudo, a possibilidadede de crescer junto com alguém que faz a mesma coisa que você. Por isso me envolvi. A tiração de onda e o resto vêm também, mas pra mim o negócio é o estudo. Sou um improvisador, gosto de minha arte acima de tudo. Onde eu acreditar que ela é respeitada no máximo grau, irei expor ela. Você está ali, próximo do público, semanalmente. No meu caso foi assim. Aí me liguei que tinham pessoas nos eventos que não iam ver batalhas. Tinham pessoas que iam ver as minhas batalhas. Achei que era o momento de fazer as minhas coisas e acertei. Me afastei um pouco das batalhas por achar que estava virando um concurso de piadas, em vários casos. Optei por fazer improvisos em meu show e trabalhar minhas músicas daqui pra frente. Mas quem achar que eu tô enferrujado é só marcar. (risos)

Há, no Brasil, um certo preconceito com o chamado "rap comercial". Inclusive, muita gente coloca no mesmo balaio artistas como Lil' Wayne, 50 Cent, Jay-Z, Eminem, etc. (como se fossem todos iguais). O que você pensa disso?
Na verdade eu não vejo assim. Esses nomes que você citou, por exemplo, gosto de todos. Admiro esses caras enquanto artistas, acho que o Jay-Z é o melhor do mundo. Eu, particularmente, odeio divisões. É tudo rap, batida e rima. Uns com auto tune, uns com sampler, outros com sintetizador e banda. Mas é tudo rap. As pessoas adoram separar as coisas dizendo que um presta e o outro, não. Lutam contra isso quando alguém faz o mesmo com elas e ficam de um lado que não acreditam ser o que elas merecem. Em resumo, vagabundo fala de tudo. Fala deles, fala de mim, fala de você e disso aí eu já desencanei porque não muda. Lutamos contra o preconceito há anos e ele tá aí mais forte do que nunca. Às vezes, penso que as pessoas precisam dele pra se esconder atrás de alguma coisa e não resolver os verdadeiros problemas.

Qual a importância do samba na sua formação musical? Pretende se aprofundar, ainda mais, na mistura com o rap?
Cresci escutando muita coisa. Fundo de quintal, Reinaldo, Jorge Aragão, Lecy Brandão, Cartola. Então era impossível isso não refletir na minha música. Você nasce em uma cidade, tem o sotaque de lá. Meu lugar é o samba. O rap chegou um pouco depois, e eu amo rap. Mas, pra mim, a música mais louca que tem é o samba. Jazz é da hora também, mas nada se compara ao samba. Quero me envolver mais nisso. O D2 tem uma parada bem louca nesse sentido, mas quero me envolver mais com a musicalidade dele de uma forma subjetiva, com a essência disso. Sou um MC e quero trazer o que considero positivo pras minhas rimas, mas sem deixar de ser rap. Tendo violão e pandeiro ou não, o samba estará lá.

Conhece bem a cena hip-hop do Paraná e de Curitiba? Destaca algum nome?
Conheço a cena do Brasil todo, graças a Deus. Tem gente pra caramba trabalhando por aqui. Por exemplo, vocês tem aqui o Nave, que produziu coisas muito boas pro Marcelo D2, o Dario, o Laudz. Alguns dos melhores beat makers do Brasil estão aqui. Tem nas rimas o Nel Sentimentum, a Karol Conká, o Bigue. Todos vão se apresentar com a gente na sexta-feira. Vale a pena conhecer, quem ainda não ouviu falar dessa rapaziada. É chegar no baile e gritar "A rua é nóiz" com todo mundo.

"NÃO PENSEI NAS MAZELAS"


Como prometido, segue a íntegra da entrevista com o Erasmo, publicada ontem na FdeL. Na pauta, seu livro de memórias, a biografia do Roberto, machismo na música, gravadoras e os 50 anos de carreira.

Quando surgiu a ideia de escrever o livro?
Tenho o desejo, um sonho mesmo, de escrever livros há muito tempo. Até quis escrever um nos anos 70, chamado "A Banda dos Contentes". Era uma história de ficção, mas não encontrei um final e desisti. Acabou virando o título de um disco (lançado em 1976). Passei esses anos todos procurando uma motivação, até que me toquei de uma coisa. Os músicos, em geral, quando se encontram, estão sempre contando "causos" da vida artística. Todo músico está sempre rindo, em grupo, lembrando dessas histórias. Então resolvi contar uns "causos" que aconteceram comigo também, com meus amigos.

Como foi o processo de escrita? Quanto tempo levou?
Levou dois anos e meio, mais um ano para fazer o fio condutor das histórias. Eu pensava no livro o dia inteiro. Sou assim normalmente, trabalho 24 horas por dia. Seja mentalmente, anotando ou gravando. No banheiro, na cama, acordava de noite com uma ideia na cabeça. Escrevia a mão, que é a única forma que acompanha a rapidez do meu raciocínio. Meu filho vinha uma vez por semana aqui em casa e digitava tudo para ficar bonitinho.

Consultou muito material de arquivo, ou mesmo pessoas próximas?
Consultava minhas reportagens antigas para conferir lugares, nomes. Mas não procurei ninguém, porque prefiro contar do meu jeito. Se eu ligo para uma pessoa, ela diz que não foi bem assim, que não estava chovendo naquele dia. Problema dela. Eu me lembro que estava chovendo no dia e pronto. (ri)

Você se inspirou em algum livro semelhante?
Não, foi tudo da minha cabeça mesmo. E como não sou um leitor, não carreguei influência de ninguém. Fiz mais ou menos como faço na música, usei minha forma de narrar a coisas. Inclusive demorei um pouco para encontrar um estilo. Aliás, um dos prêmios que tive com esse livro foi descobrir essa minha narrativa, vamos dizer assim, literária. Mas, cuidado, não estou usando esse termo de forma pretensiosa.

Houve algum tema que você não quis incluir no livro de jeito nenhum?
Não pensei dessa forma. Só decidi o que colocar. Se não tem as mazelas no livro, é porque não pensei nas mazelas. Eu estava escrevendo uma coisa bem-humorada, descontraída. Não pensei em momentos ruins. Também não entreguei nomes, porque isso não faz parte do meu caráter, nem as mulheres que eu comi. É um livro de boa fé, positivo, que nem eu sou.

Minha Fama de Mau também não traz os bastidores profissionais e comerciais da sua carreira. Há quem pense que é porque você não se envolvia muito com essas questões.
Não traz porque não era a minha intenção. E é claro que eu me envolvia com esses aspectos da minha carreira. Sou um profissional bravo, correto, estradeiro. Mas o importante nos meus contos era a piada do final. Era isso que eu valorizava.

Suas memórias chegam ao mercado numa leva de outros livros e documentários sobre grandes nomes da música brasileira. A que você atribui esse fenômeno recente?
Na verdade, ainda acho muito pouco o que é lançado. Nos EUA, um país que realmente preserva os seus ídolos, há uma infinidade desses produtos. Só de filme sobre cantor, eu já vi um monte. E não é nem documentário, é filme de ficção mesmo.

No Brasil, o biografado, ou a família dele, tem de autorizar o lançamento. Isso não é um entrave?
É que os filhos, como não viveram as coisas, não gostam de ver as mazelas do pai expostas. Ou então crescem o olho no negócio de grana. É complicado.

Autorizaria uma biografia sua?
Não acho legal biografia de um cara vivo. Vou ter prazer de ler a minha biografia quando eu morrer. Quando o cara ainda está vivo, ele só quer que coloquem depoimentos que falem bem dele.

Você leu Roberto Carlos em Detalhes, a biografia "proibida" do Roberto?
Não li. Nem essa, nem as outras que falam de mim. Não costumo ler livros. E como estava escrevendo o meu, não queria receber influência.

O que achou da proibição de Roberto Carlos em Detalhes?
Não achei nada, porque eu não participei do processo. Não me meto nas coisas alheias. Se o Roberto proibiu, algum motivo ele teve. Quem sabe o motivo? Só ele.

Como nas suas músicas, o livro trata muito das mulheres. Você, que já escreveu tantas odes à figura feminina, vê algum tipo de desrespeito nas letras de funk, axé, sertanejo universitário e outros gêneros populares de hoje?
Machismo em música sempre existiu. O rock, inclusive, é machista para caramba. O samba também. Tudo é muito machista. Uma vez ou outra é que aparece uma ode à mulher. O Alcides (seu assistente pessoal há mais de 20 anos) está até lembrando aqui da Amélia, do Ataulfo alves (em parceria com Mário Lago). As mulheres hoje se sentem elogiadas ouvindo essa música, mas o cara está acabando com a mulher!

Será que o tom mudou? Está mais explícito?
No funk, por exemplo, eu acho exagerado. Mas enquanto tiver uma mulher dançando funk, é porque elas gostam de ser chamadas de cachorras. Quando elas sumirem das pistas, os caras vão dizer: "Pô, vamos falar bem delas então".

Você e seus filhos têm uma gravadora (Coqueiro Verde Records). Como estão lidando com esse momento de transição na indústria da música?
Como todo mundo. Sem saber o futuro, o que vai prevalecer. Atirando para todos os lados, para ver se alguma coisa cola. Mas estamos entrando de cara nas novas mídias, que estão cada vez mais presentes no nosso processo de divulgação.

Quais são seus planos para 2010, quando você completa 50 anos de carreira?
Eu não costumo pensar assim. Na minha vida as coisas vão acontecendo no momento certo. O livro, por exemplo, está saindo agora porque atrasou. Calhou de sair junto com o disco, não foi nada premedidato. Quantos aos 50 anos, não vou fazer nada. Quem quiser que faça para mim. O Roberto Carlos também não fez. O chocolate e o banco fizeram para ele aquelas festas (Erasmo se refere às grandes empresas que patrocinaram os shows comemorativos). Se um chocolate, um açúcar quiserem fazer para mim, eu participarei.