ENTREVISTA: TOM ZÉ


Tom Zé chega hoje a Curitiba para fazer três apresentações do show O Pirulito da Ciência, uma retrospectiva de sua carreira. Seguem os highlights do longo papo que tivemos (a versão empacotada saiu aqui).

"Minha luta, desde o princípio, é no sentido de manter o ouvinte atento. Para isso, me esforço para sobrepor camadas de informação durante o show, para fazer um trabalho de corpo. Tem sido assim desde que me descobri incapaz de fazer uma música para o mainstream, uma música perfeita, regular. Não tenho o pathos do cantor. Cantar para mim é pouco. Não consigo me imaginar só cantando durante 50 minutos."

"Todo acontecimento artístico novo vem acompanhado de inovações técnicas. Na Itália do Renascimento, os artistas não fizeram aquela revolução sozinhos. Eles tiveram por trás fabricantes de tintas e telas que duram até hoje. No Brasil, tem sido a mesma coisa com a música. Eu me lembro que, quando surgiu o hi-fi, o pessoal que trabalhava com os Românticos de Cuba já concebia os arranjos para aproveitar o potencial daquele som. Quando o João Gilberto entrou no estúdio pela primeira vez, já tinha um técnico lá pronto para fazer aquilo, com um microfone dinâmico ideal para gravar a voz dele. E até hoje o Brasil tem muita gente competentíssima nessa área, ao contrário do que muitos artistas dizem."

"Às vezes, você vai no fundo do lodo e encontra uma flor. É o meu caso com 'Atoladinha'. Naquele espetáculo, naquela cerimônia social da qual o som do funk participa, a mulher é degradada. E aí vem uma música com um refrão que combate isso, que traz um lancinante grito de liberdade da mulher. Quando toca essa música, ninguém pensa em uma pessoa caminhando com cuidado na lama. A letra fala dos líquidos da sexualidade correndo pelo corpo com toda a liberade. Isso é uma maravilha do ponto de vista da saúde, e também uma rebeldia terrível contra igreja, contra tudo. Repito o que já disse: 'Atoladinha' é multirrefrão, microtonal e plurissemiótica."

"É natural o preconceito do brasileiro contra os gêneros de música mais populares. Somos uma sociedade que quer sair do campo e ir para a universidade. E isso é uma merda. Mas o nordestino, por exemplo, como observou Euclides da Cunha, procede como um cientista, apesar de ser analfabeto."

"Todo mundo gosta de sertanejo, porque fala das coisas simples e boas da vida. Mas, para justificar, inventaram agora esse sertanejo universitário. Puta que o pariu, hein?"

"Não tenho nada contra o brega, o popular. Só não faço meia dúzia de pagodes e músicas caipiras porque não sei fazer. Tenho inveja desses artistas."

"A utilização das leis de incentivo é uma questão ética, como tudo mais em que uma sociedade se envolve. Mas o fato é que quem tem mais fama, levanta mais dinheiro. E o que foi criado para garantir a chegada do novo, do experimental, do criativo fica sem espaço. É um aproveitamento meio imoral dos recursos públicos"

"Me perguntaram se eu queria ser anistiado. Mas eu estudei em escola pública desde o ginásio, ganhei uma bolsa para continuar na faculdade, almocei no restaurante universitário. Então eu acho, na verdade, que tenho um débito para com a nação. Não posso receber isso que você chama de 'bolsa ditadura'."

"Só falo sobre esses assuntos de leis de incentivo, de dinheiro público quando os jornalistas me perguntam. Meu negócio é enfrentar a realidade de peito aberto, sem ser queixoso. Porque quem é queixoso não faz nada. Eu, não. Eu tenho ideias para transmitir. Queixa não levanta um povo para trabalhar, não faz cócegas na imaginação das pessoas."

2 comentários:

  1. Tom Zé é uma das grandes influencias da banda, e não por sua sonoridade, mas sim por suas ideias, suas atitudes! Salve Tom Zé.

    Charme Chulo
    www.myspace.com/charmechulo

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