DEIXA O TREM SEGUIR


Matéria que fiz para a FdL esses dias, sobre a volta do Ferrorama.

Uma cena inusitada chamou a atenção dos turistas que percorriam o famoso Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha, no mês passado. Quatro brasileiros, seguidos por um cinegrafista, montavam e desmontavam, sucessivamente, os trilhos de um trem de brinquedo. Equipados com apenas duas tábuas de madeira, que serviam de base nos terrenos mais irregulares, eles cortavam um dobrado para não deixar a locomotiva parar.

Depois de três dias e muita chuva na cabeça, o grupo concluiu sua missão: fazer o trenzinho completar os 20 quilômetros finais do caminho com apenas 110 metros de trilhos de plástico. Mas não se tratava de um brinquedo qualquer. Era o Ferrorama, ícone da cultura pop brasileira e um dos sonhos de consumo de qualquer menino entre o fim dos anos 70 e o início dos 90, quando a fabricante Estrela o tirou do mercado.

A aventura na Espanha foi patrocinada pela própria empresa e faz parte de uma ação de marketing para relançar o produto, que chegou a vender 2 milhões de unidades nos tempos áureos. De lá para cá, a Estrela nunca deixou de receber cartas e e-mails de fãs saudosos pedindo uma nova versão do trem. Uma mobilização que ganhou corpo nos últimos anos, com o surgimento de uma comunidade no Orkut inteiramente dedicada ao brinquedo e à memória afetiva que o envolve.

Criada pelo artista plástico catarinense Marco Markora, de 41 anos, o fórum ''Volta Ferrorama'' se tornou referência no assunto e já conta com mais de 3 mil membros. Não à toa, foi ele o escolhido para liderar a equipe em Santiago de Compostela. Se o time cumprisse à risca o desafio, a Estrela voltaria a fabricar o trem (como se o relançamento já não estivesse planejado para agosto, às vesperas do Dia das Crianças).

''Quando ligaram me convidando, achei que fosse um trote'', lembra Markora, antigo dono de um modelo XP-400. A missão, no entanto, não foi tão ''simbólica'' quanto se pode pensar. ''Mesmo parando para comer e dormir, ralamos muito na chuva para tentar completar o caminho da maneira mais fiel possível'', garante o artista, que agora espera receber seu trem em casa, confortavelmente, na cidade de Balneário Camboriú (SC).

Mas, afinal, qual é o barato de um brinquedo aparentemente superado por formas de diversão eletrônicas e mais interativas? ''É engraçado, porque só fui pensar nisso depois de cumprir o desafio. Acho que o interessante é o que a pessoa projeta no trem. Porque você joga toda a sua imaginação nele'', diz.

NÃO É FERREOMODELISMO

O colecionador e comerciante Celso Navarro, 58, tem um Ferrorama no estoque de sua loja especializada em modelismo, a Passatempo, em Curitiba. Ele faz questão de afirmar que o trem da Estrela não é sinônimo de ferreomodelismo, mas pode ser uma ótima ''porta de entrada'' para esse hobby, considerado o mais completo do gênero. ''Para montar uma maquete fiel, é preciso ter conhecimentos de eletricidade, química, marcenaria, mecânica e, principalmente, história'', explica.

Segundo o comerciante, a maior batalha dos aficionados por modelismo é justamente provar que há uma pesquisa histórica e cultural aprofundada por trás de seus projetos. ''Num país sem memória como o Brasil, as pessoas ainda acham que os modelos são apenas brinquedos'', lamenta.

Navarro também vê a volta do trenzinho às lojas como uma iniciativa positiva para a indústria nacional. ''Ficou um vácuo no mercado quando a Estrela tirou o produto de circulação. E toda a vez que isso acontece, o espaço é ocupado pelos brinquedos chineses'', diz.

Foto cedida pelo Marco Markora.

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